Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Viva a revolução

- Já faz algum tempo que não falamos.

Fiquei mudo. Não tinha nada a dizer.

- Ainda mais com alguém tão querido, tão seu... Não é?

Olhei para cara dele. Tudo que eu via era os seus dentes amarelos em meio aos lábios vermelhos como sangue. Um sangue que via brotar a cada palavra que ele me dizia.

- Você ainda me culpa pelos... acontecimentos? Você esqueceu que era a sua mão lá também?

Eu não aguentei mais - CHEGA.

- Mas eu mal comecei...

- É sempre isso. Qual o prazer que você sente em me lembrar disso?

- Nenhum.

- Então porque sempre voltamos a isso? No fundo você quer me ver sofrer. É só isso.

- Não. Em absoluto. De forma alguma sinto prazer em vê-lo sofrer. Só quero que admita: você fez tudo junto comigo.

- Seu filho...

- Sem agressões, por favor. Vamos lembrar o que aconteceu, vamos?

Eu não respondo. Eu abro a boca, mas minha voz se emudece.

- Ótimo. Nós estávamos... Deixa ver... Em frente ao palácio do governo, era isso mesmo? Claro que era... Você prefere assim, com toda essa carga dramática e eu fingindo que tudo está lentamente se desanuviando na minha cabeça, não é? Fazia frio, não?

- Não. Estava bem quente.

- Ah, viu? Você lembra! Engraçado isso, não? Eles acham que você "bloqueou" as memórias destes acontecimentos... Você deveria ganhar um prêmio pela sua ótima atuação.

-  Eu lembro de tudo. Cada detalhe. Lembro do cara de mochila na minha frente, com a máscara do Guy Fawkes e boné dos Pokemons. Lembro da namorada loira e gorda dele enrolada na bandeira do nosso país. Lembro do pivete de chinelos que estava ali só pela farra. Lembro dos verdadeiros ativistas políticos. Lembro da minha cabeça raspada e do gosto do sangue. Sangue dos policiais que eu matei. Sangue do cara de boné dos Pokemons que eu matei. O sangue de todos aq...

- Ah, pára com isso! Que coisa piegas! Eu lembro, eu lembro... Parece uma matraca! Que bobagem! Essas pessoas... Que exagero seu... Parece até que você matou eles com as próprias mãos...

- EU SEI O QUE EU FIZ. Eu joguei o molotov neles. Eu fiz aquilo com as minhas próprias mãos. Eles morreram por minha causa! Eu detonei os explosivos. Eu fiz tudo isso.

- Ah, quéisso? Eles estavam no lugar errado, na hora errada... O que você fez foi pela revolução, lembra? Ah, amada revolução...

Revolução... Milhares de pessoas reunidas pedindo revolução. Adolescentes gritando e exigindo a revolução.

E o que eles sabiam disso? E o que realmente eles sabiam disso ou sabem disso? Nas suas vidas de videogame, nas suas canetas coloridas, seus DVDs, seu mundinho de sitcoms, sua rebeldia velada de rede social ou de VJ de Web... Que rebeldia é essa que admite que para uma revolução é preciso "sujar as mãos"? Que rebeldia é essa que não sabe é o que ficar horas, dias, semanas, sem água potável, eletricidade ou comida? O que eles sabem disso?

- Você ensinou a eles. Não foi?

- Eu... Eu... Eu não ensinei nada. Eu só matei. Matei gente inocente. Matei gente culpada também.

- Em nome da revolução, é claro. Agora, porque você fica assim? Era a revolução, não?

- Olha aonde a gente tá agora em nome da revolução... Olha! Olha pra mim, desgraçado! Olha o que você fez! Você iniciou tudo isso! Você me fez acreditar! Você disse que era certo! Que nós tínhamos que lutar! Seu vídeos! Suas falas!

- Quer falar de culpa? Ótimo! Eu sou tão culpado quanto você! Eram as suas mãos! As mesmas mãos sujas que mataram crianças em nome da revolução! As mesmas que diziam que aquelas mulheres deviam sofrer um estupro político! Sentir a força pulsando da massa proletária no seu interior! Lembra disso, pervertido? Lembra? Eu estava lá do seu lado! Eu lembro de tudo... Tudo. E quer saber: é claro que eu adorei tudo isso... Hahahahahhahahah

Eu levo as mãos até o pescoço dele. Lento, eu aperto. Devagar, mas firme. Força agora. Quase lá. Quase lá...

Uma voz de fora retumba na cela:
- ABRAM A CELA 4256.

A porta se abre e a luz forte do corredor inunda meu rosto.

- Prisioneiro 4256. De pé.

Eu levanto devagar.

- Foram 30 dias de solitária João Paulo.

- Sim senhor.

- Espero que isso tenha te acalmado. Vamos, pise na linha amarela e aguarde.

Eu espero. Eles fecham a solitária. De dentro eu escuto... Ele cantar:
Let me please introduce myself 
I'm a man of wealth and taste 
And I laid traps for troubadours 
Who get killed before they reached bombay 
Pleased to meet you 
Hope you guessed my name, oh yeah 
But what's puzzling you 
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby

Lentamente eu vou me afastando, junto com o guarda. E eu ouço;
- Não demora João... Eu posso ir contigo, mas prefiro ficar te esperando... Volta logo tá? Eu tô bem pertinho... Te esperando...

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Sobre o passado e o futuro

- Eu sempre achei que tudo seria mais fácil...

Eu era o cara c.d.f. Eu tirava as notas boas na escola. Eu era o cara certinho. Eu fiz tudo certo. Eu estudei, eu não quebrei nenhum osso, eu respeitei meus colegas, eu respeitei minhas colegas, eu acreditei que o estudo me abririam as portas de uma vida melhor, eu fui religioso, eu ajudei os mais velhos, eu cuidei dos animais, eu ajudei os amigos, eu fiz amigos, eu ouvi meus pais, eu disse eu te amo, eu disse que me importava, eu fui honesto, eu fui responsável, eu andei na linha, eu evitei brigas, eu lutei pelos ideais de um mundo melhor, eu falei a verdade, eu falei baixo, eu limpei meu quarto, eu arrumei minha bagunça, eu arrumei a bagunça dos outros, eu li livros, eu plantei uma árvore, eu carreguei o meu avô, eu chorei abraçado, eu me emocionei com uma música, eu cantei, eu pulei com o gol do meu time do coração, eu salvei um passarinho, eu vivi.

Contudo, nada tinha me preparado para o futuro. Apesar de todas essas vivências nada tinha sido suficiente para o futuro.

Eu como chocolate, mas já não posso mais.
Eu bebo um pouco de vinho, mas já não devo mais.
Eu como um belo pedaço de carne, mas isso me faz mal.
Eu tomo água, mas até pedra no rim eu tenho.
Eu jogo basquete, mas eu tô sempre machucado.
Eu faço academia, mas eu continuo gordo.
Eu acredito no sistema, mas ele não se importa mais em me destruir.
Eu acredito nas pessoas, mas elas não acreditam mais em mim.
Eu fugi dos marginais, mas eles sempre me encontram.
Eu achei que o preço era justo, mas eu sou constantemente passado para trás.
Eu estava na hora marcada, mas ninguém se importa com horário.
Eu podia usar o equipamento, mas mesmo assim não me deixaram.
Eu quero ser um bom profissional, mas a preguiça é maior.
Eu quero ser reconhecido, mas só consigo isso pelos motivos errados.

Eu queria escrever algo um pouco mais feliz. Só que estou muito triste para isso.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

TerSer

Ter... Ser... Ter... Ser... Ter... Ser... Ter... Ser... Ter... Ser...
Seria esse um indivisível mantra que nos divide entre o que temos e o que somos?
Existiria essa diferença?
Senão vejamos:
Nasci. Tenho que respirar. Tenho que viver.
Tenho que comer.
Tenho que andar.
Tenho que crescer.
Tenho que falar.
Tenho que gritar.
QUERO ter.
Tenho que chorar, porque não tenho.
Tenho que aprender.
Tenho que respeitar.
Tenho que entender.
Tenho que estudar.
Tenho que acordar cedo.
Tenho que estudar.
Tenho que me manter no horário.
Tenho que estudar.
Tenho que ir para universidade.
Tenho que ser e saber o que quero.
Tenho tudo isso? Será que tenho mesmo?
Tenho que saber QUEM SOU.
Tenho que ser melhor.
Tenho que ser bom.
Tenho que ter sucesso.
Tenho que ter dinheiro.
Tenho que ter apartamento, celular, computador, máquina fotográfica, TV 42", cama box, internet, GPS, carro, ir para praia.
Tenho que ser marido.
Tenho que ajudar.
Tenho que ter filhos.
Tenho tanto pra fazer.
Tenho muito, ou quase nada?
Tenho tanto, mas porque minhas mãos estão tão vazias?
Tenho o que sou ou sou o que tenho?
Onde sou? Em casa ou no trabalho?
Quando sou, sou eu mesmo ou sou aquele que tem?
Tudo que tive ou que tenho ajuda a saber quem sou?
Quem sou revela tudo que tenho?
Tenho que emagrecer.
Tenho que ter saúde.
Tenho que saber quem eu sou.

E se depois de tudo eu ainda não sei? Sou tudo que tenho?
Vivo para ter? Vivo para ser? Tenho para ser? Sou para ter?
Vivo o que sou? Vivo o que tenho?
Sou o que vivo? Tenho que viver?

Tenho que me encontrar.

Tenho que Ser. Será?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sensível

23 de Dezembro

A neve começou a cair cedo naquele dia. Era só um dia como outro qualquer, frio o bastante, mas que não era ruim. E eu realmente trabalhava bastante, mas tinha certeza que não tinha nascido para fazer isso. Eu preferia calcular. Naquele dia, meu colega parecia muito inquieto e pertubardo durante a realização das nossas tarefas costumeiras.

Depois de algum tempo observando-o decidi perguntar o que estava acontecendo. Ele ficou bastante surpreso e pareceu se fechar ainda mais apenas me ignorando. Umas 3 horas depois, durante o intervalo, ele veio falar comigo. Ele então contou como estava preocupado com a sua esposa. Devido às circunstâncias, ele não a via há muito tempo. Ela era jovem, e eles tinham uma filha de apenas 11 anos. Ele tirou uma foto surrada de tanto manuseio de dentro de uma carteira de couro (em estado não menos deplorável). Na foto, estava a filha dele ao lado de sua esposa. Ambas eram muito bonitas. Tentei animá-lo, dizendo que ela tinha provavelmente puxado a mãe. Ele sorriu amarelo.

Voltamos a trabalhar e no outro intervalo ele se aproximou e decidiu dizer o que se passava. Antes de chegar, há alguns meses, sua querida filha tinha caído em um lago muito gelado, vítima de uma brincadeira inocente feita pelas amiguinhas. Após algum tempo ela havia ficado muito doente. Ele acabou com tuberculose e ele acompanhou o desdobrar da doença da filha a cada dia. Ele falou que a viu definhar, minguar e praticamente se desfazer nos seus braços. Ele nada pode fazer, apenas andar todo este caminho de sofrimento com ela, compartilhar esta jornada. Ele a enterrou e logo depois veio trabalhar.

Então, ele perdeu contato com a esposa. Ele conversou com o médico do trabalho e pediu para alguém visitá-la e descobrir como estava o seu estado de saúde devido ao histórico da doença na sua família. O médico prometeu entrar em contato com um amigo para ver o que ele podia fazer por ele. Recentemente, toda vez que ele encontrava o médico, o mesmo parecia fugir dele. Finalmente, ele conseguiu conversar com ele. O médico lhe contou que o amigo tinha conseguido visitar sua esposa, mas que as notícias não eram boas. Ela tinha desenvolvido uma forte tuberculose. Perguntei quando ele tinha sabido disso. Fazia 1 mês pelo menos.

Ficamos em um silêncio durante alguns minutos. Ele tinha medo de não vê-la nunca mais. Ele já havia perdido a filha e agora perderia tudo. Ele guardava dois pequenos cachos de cabelos da filha e da esposa junto da foto, dentro da carteira de couro. Enquanto ele observava os cachos, um choro convulsivo brotou nele. Ele tinha medo de não poder mais sentir o cheiro delas. Ele chorou durante um longo tempo, enquanto eu fiquei ali na sua frente, observando.

Foi estranho. Espero que nunca mais voltemos a falar disso.

Bom, hoje já encaminhamos pelo menos 300. Nossos superiores estavam com pressa hoje e acabamos não separando as crianças das mulheres. Levamos pelo menos 180 mulheres e crianças ao "banho". Meu colega conduziu os restantes, todos homens. Ele quebrou 2 mandíbulas, 3 braços e 5 pernas. Eu tinha que admitir o talento dele para isso. Eu só dei uns tapas em uma menina loirinha e na sua mãe. Estou ficando mole.

Se continuarmos assim seremos cumprimentados pessoalmente. Meu colega pareceu feliz com os meus cálculos. Isso deve animá-lo. Deve ser muito difícil acompanhar a trajetória de morte de uma criança, sua filha, tão de perto.

Dachau, 1940.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Físico e o Escritor

Era um momento muito importante. Eles sabiam que aquele era provavelmente o momento mais importante da vida deles. O destino do mundo estava agora nas mãos destes destemidos agentes, que decidiram dar a própria vida, se necessário fosse, para salvar a humanidade. Infiltrados dentro do covil do vilão mais letal que o planeta Terra poderia enfrentar, eles finalmente tinham encontrado a máquina que poderia destruir a existência da vida neste planeta.
- Muita calma agora.
- Porque?
- Porra, não tá vendo que tem um laser aqui?
- Não, onde? Eu era escritor antes, sabia?
- Aqui ó! Arigó.
- Tá, tá. E o que fazemos? Tu és físico, deve entender destas coisas...
- Hum... Certo... Deixa eu ver uma coisa aqui...

Alguns minutos depois...
- Olha, pelo que eu vi aqui... Esse laser leva direto para a máquina do juízo final.
- Bom, ainda bem que descobrimos. Afinal, para isso que estamos aqui. Os intrépidos agentes especiais. Missão: salvar o mundo.
- Hã? Tá falando com quem, desse jeito afetado? Só tem nós dois aqui.
- Anh... Ninguém.
- Tá, então. Olha só, essa tua atitude tá me dando nos nervos. A coisa é séria aqui. Nós vamos precisar de ajuda.
- Peraí, deasarma isso! Tu és o físico! Tu conheces os mistérios insondáveis das nanocoisas... A poesia matemática das infindáveis operações que governam o universo micro e macroscópico. O inerente caos universal e sua ilusória desordem cósmica, a... Que foi? Porque ta me olhando assim?
- Nada, não. Tá... Olha só... Eu já entendi. Vou tentar...

2 horas depois...
- Não dá pra desarmar. É... Bom... O reator... de... de fluxo. Ele tá alinhado com o capacitor de campo. E quando isso acontece... É complicado, em termos leigos. Que foi?
- Hum... Olha só Seu Físico, não é por nada não... Só que eu acho que tu estás me enrolando...
- Qu... Quem? Eu? Ora, porque... Como?
- Viu? Tá né?
- Tá bom. Tô. Não faço idéia do que tá acontecendo aqui.
- Cacete! É só um laser de merda! Como tu não sabe? Tu és físico!
- É... E tu nem parece escritor! Fica dizendo essas bobagens...

Os dois permanecem em silêncio durante alguns instantes.
- Eu confesso. Eu... Eu sempre fui considerado um péssimo escritor.
- Puxa, eu achei que tu fosse contar alguma novidade.
- Bem, parece que tem alguém aqui que se diz físico, mas nem ao menos sabe como funciona um laser.
- Certo. Tá bem. Eu sou um físico muito ruim também.

Os dois ficam se olhando. Ambos se atiram ao chão.
- Eu escrevia, em todo lugar... Internet, cadernos em casa, portas de banheiro... Tudo. As pessoas acabavam me dizendo que só eu entendia meus contos... Nem meus amigos entendiam. Diziam que eu atirava as coisas... Que eu não queria posicionar as pessoas no conto...
- Em suma, diziam que você era péssimo certo?
- É. Certo.
- Bom, eu era físico... Quer dizer, eu achava que era... Cheguei a trabalhar em um laboratório de pesquisa durante um tempo, só pra ter certeza que seja lá o que eu fizesse lá dentro, nunca ia servir pra nada. Eu tentava... Me enganar. Eu dizia que aquilo era importante e tentava vender essa idéia... Acabei um dia saindo de lá. Fui dar aulas em outras escolas e universidades só para ter certeza que os outros também não queriam saber de nada. Que também só se enganavam. Consegui meu doutorado, mas nunca acreditei muito nele mesmo. E agora, me deparo com um laser... E sequer imagino o que fazer para desligar essa porcaria!
- Ei, não chuta isso não!

O físico acaba chutando a máquina. Mas nada acontece.

10 horas depois, e após muita lamentação...

- É. O rádio não funciona.
- O sinal deve ser fraco dentro da terra... Estamos embaixo de uma montanha... Não tem jeito de chamarmos ajuda.
- É isso aí escritor...

- Sabe, como você entrou pra Agência? Eu simplesmente cheguei no escritório e me contrataram... Aliás, pensando bem...Isso é muito estranho...
- Estranho foi como me contrataram... Olharam meu currículo e disseram que meus conhecimentos eram muito importantes... Blá-blá-blá... E aqui estou.
- Estranho, mandaram um escritor e um físico encontrar a máquina do juízo final. Porque não mandaram gente mais qualificada...
- Olha, isso faz parte do conto... Senão, não estaríamos aqui.

O escritor lança um olhar estranho para o físico.
- Do que diabos tu estás falando?
- Olha, isso faz parte da história que está sendo escrita neste exato momento.
- Tu pirou de vez físico? Que história?
- Quem em sã consciência diria: “os mistérios insondáveis das nanocoisas... A poesia matemática das infindáveis operações que governam o universo micro e macroscópico. O inerente caos universal e sua ilusória desordem cósmica”... essa babaquice toda?
- Eu disse! Espera aí...
- Que foi?
- Eu já sei quem está escrevendo essa história!... Só pode ser e... – Ao pensar isso, o escritor levanta-se de repente, botando as mãos no feixe laser.
- Cuidado o lase... – grita o físico.

E finalmente o mundo acaba.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Akhlot - A História de Finli - Parte 3

Bom, Finli é um daqueles personagens do qual eu gosto muito. Sempre estou desenvolvendo algo pra ele, assim como essa história que eu tenho a pretensão de um dia transformar em livro.

Os capítulos anteriores podem ser lidos AQUI.

Deixo agora pra vocês a 3ª parte desta história.

*************************************************
O vento continuou a soprar gelado nas encostas de Akhlot. E a neve que continuava forte gelava não só a montanha, mas os corações de quem nela viviam. Sua irmã, Uliana, sabia do forte laço de amor que Finli tinha para com o pai, uma vez que o sentia em igual intensidade. Contudo, ela já não sabia o que mais açoitava o seu coração: se era pela falta do pai amado ou do seu irmão tão querido. Tão iminentes eram ambas as situações que se apresentavam, que Uliana era várias vezes vista chorando, tentando esconder o rosto em suas grossas tranças, enquanto realizava a cata de Gramuhela.

Infelizmente o chá de Gramuhela já não surtia efeito algum em Manthir. Sua dor agora era grande, mas o Akhlotiano nunca sequer demonstrou seu sofrimento. Desde o juramento de Bhandir a Betelguese, durante mais 5 meses, Finli adiou seus planos de se retirar da montanha que sempre fora sua morada. Enfim, com a chegada do 6º mês, e o surgimento de Heimdall no céu, Hera requisitava a presença de Manthir. A morte havia chegado.

Nos últimos dias da vida de Manthir, Finli se comportou de mudo muito parecido com ele. Sisudo com todos, com um tom de voz baixo e grave. Poucos sabiam o quão bonachão era um dos senhores de Akhlot. Manthir era assim com todos, exceto com Ursal, amigo de inúmeras batalhas, ainda assim, mais novo que Manthir, e seu afilhado Bhandir.

Quando Ursal e Bunya levaram seu filho Bhandir para que um dos senhores de Akhlot, Manthir, o tomasse como afilhado, alguns olhares invejosos e risinhos jocosos se espalharam pelos corredores da montanha cinzenta. Afinal, quanta ousadia um ferreiro podia ter? Contudo, poucos eram os Akhlotianos que sabiam do companheirismo entre ambos, das agruras da Guerra do Poço de Ankor-Tronin. Poucos podiam lembrar. Muitos anos já haviam se passado sem guerras e poucos eram os sobreviventes delas. Ainda assim, Manthir tomou o garoto nos braços como se fosse seu filho. E o criou com Finli, mesmo com a sentida falta que sua mulher, Ulia, lhe fazia. Talvez isso tenha sido o principal motivo que manteve Manthir tanto tempo vivo.

E era da época da infância que Finli tinha mais saudade. Talvez pelas histórias do pai, o carinho a tanto perdido de sua mãe e pelas diabruras feitas junto com Bhandir. Finli cresceu alegre, e bem menos sisudo que seu pai. Agora, porém, ele só sentia a dor que permeava a tudo e a todos em Akhlot.

No dia do funeral, Finli seguia com o cortejo que passava no largo principal de Akhlot. O corpo do seu pai jazia à frente, crivado de pétalas de Lhitia azuis, brancas e amarelas, colhidos pelos jovens que o circundavam. Atrás, viam ele e Uliana de braços dados. Uliana se desfazendo em lágrimas, mas quieta. Finli tinha sua face cristalizada de dor. Logo atrás vinham Ursal, Bunya e Bhandir.

Pelo menos 3 reses atrás, seguiam o restante dos moradores de Akhlot. Alguns carregavam pequenas bigornas na cintura e um martelo na outra mão. De tempos em tempos, eles brandiam o martelo contra a bigorna, lembrando a todos que Akhlot e feita de ferro e assim como são seus filhos.

Outros carregavam velhos estandartes de guerra, lembrando do passado heróico de Manthir. Finalmente o funeral tinha alcançado o topo de Akhlot pelas Escadas da Penintência. A neve branca parecia ainda mias alva. Um céu completamente nublado parecia dar as boas vindas a Manthir, uma vez que um rasgo do tamanho do topo de Akhlot se abria no céu, jogando luz, naquele pedaço de terra. Vendo o inusitado espetáculo que se descortinava a sua frente, Finli olhou para trás, como se achasse indigno daquilo. Ele então, caiu de joelhos. Sem emitir sequer um som, as lágrimas começaram a correr vívidas na sua face. Seu olhar marejado percorria um mar de sres que choravam junto à morte de um dos mais respeitáveis criaturas de Akhlot. Era impressionante ver o quanto aquele senhor de poucas palavras era querido, ou pelo menos, respeitado como um herói de Akhlot deve ser.

Erguendo-se com a ajuda de Ursal e Bhandir, foi lhe passada a tocha de Sutur para a Purificação. O corpo de seu querido pai agora estava posicionado na Passagem de Valqui e pronto para partir.

- PAI! – gritou ele, erguendo a tocha e ateando fogo ao corpo do seu pai. Seu bramido era um longo e profundo lamento, um berro de desespero. Um pedido para que as portas de Valqui estivessem abertas para quando Manthir ali chegasse.

Em resposta, a multidão que prestava seus respeitos fez um barulho ensurdecedor de metal e gritos erguidos aos céus. Todos ali se emocionaram com o fim de Manthir, no dia que depois ficou conhecido como Hera-Undin-Manthir.

E então, fez-se o silêncio. Finli olhava o crepitar do fogo. O reflexo do fogo na neve branca fazia-o parecer uma chama quase azul. O céu abruptamente se fechara, e pequenos flocos de neve caíam sobre todos. A purificação de Finli também havia chegado com o fogo que agora consumia o corpo de seu pai. Ele não tinha mais nada a fazer ali. Era chegada à hora de Akhlot presenciar a partida de mais um de seus ilustres filhos, para que um dia a Montanha Cinzenta pudesse vê-lo retornar.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Desaprender (por LariJedi)

    Andando na rua esses dias, reparei como é grande a “moda do aprender”. Desde o governo até as pessoas na rua, o assunto educação está na boca do povo. São novas universidades surgindo a cada dia, o governo fazendo programas como bolsa-escola e pró-uni. Psicólogos, pedagogos, psicopedagogos, professores todos reunidos em torno do assunto aprendizagem. Não digo que isso é de todo mal, mas... Há algo que hoje em dia, poucos percebem: que o problema não está em aprender, mas sim em desaprender.
    Aprender, todo mundo aprende. Ainda bem, se não seríamos uma massa de ignorantes. O problema é que agora tudo está muito rápido, o fluxo de informação que alguém recebe por dia é enorme. E, então, eu percebi que aprendendo as pessoas estão... Mas, existem coisas que elas estão esquecendo. Talvez por que já tenham aprendido isso há muito tempo atrás.
    Uma coisa que eu notei que foi desaprendida é o respeito. Em certa etapa de sua vida você até aprendeu o que isso significa. Mas hoje em dia quem tem tempo para praticar o respeito? Se você está atrasado para o serviço, dentro do seu carro, e uma velhinha atravessa a rua bem na frente... Uma vaga lembrança no seu cérebro até diz que você deve esperar a velhinha atravessar, mas daí você olha o relógio e lembra que está atrasado. Então aperta a buzina com força e diz vários desaforos para a senhora, e nesse momento você acabou de desaprender o que é respeito. Eu notei também, que hoje em dia, as crianças desaprenderam o que é ser criança. Não importa mais a brincadeira, o que importa é o brinquedo. A essência de brincar e ser feliz se perdeu, pois se você não tem o brinquedo mais caro, bonito ou “do momento”, nem pode brincar, pois não tem graça mesmo. Coitada das crianças! Nem aprenderam ao certo o que é ser criança e já desaprenderam.
     Então, eu torço para que as pessoas não aprendam mais e sim que elas não desaprendam o que já aprenderam. Complicado? É simples, apenas não esqueça as coisas importantes que você aprendeu na vida como: respeito, simplicidade, amizade... Pois, de que adianta você ser médico, advogado, engenheiro se você é mal-educado, esnobe, solitário... Ande na rua, reflita um pouco e você também verá que desaprendeu alguma coisa importante.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Histórias antigas

Bom esse post é só para estimular o pessoal "novo" que começou a ler o blog a conhecer o material antigo que postei. Lembro que todos os contos podem ser comentados mesmo os antigos.

Seguem abaixo os links:

Encontro

Vida e chá e Eu Vi

A Linha Direta

O que é que houve?

Do RPG ao assassinato

AKHLOT - A História de Finli
AKHLOT - A História de Finli - Parte 2

A Natureza dos Seres

Dos Contos e os Comentários

Saldando dívidas - A Kombi
Final do Conto - A Kombi

Do pó ao pó
Do pó ao pó - Parte 2

Aos que sempre estão por aqui peço a compreensão de todos para com a reedição destes contos. Aos pessoal que começou a ler agora, por favor, leiam e mandem seus comentários da forma tradicional. Em breve, contos novos.

E ao amigo Gonçalves: Mah claro que o Mago toma um Verde, Tchê!

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Aconteceu comigo - A Facada

Atualmente, com a quantidade de meios de informação, cada vez mais nos defrontamos com casos de violência que beiram desde a estupidez até a premeditação extrema com requintes de crueldade. Porém eu fico ainda mais impressionado quando ela ocorre ali, praticamente dentro de casa, no quintal.

Eu estava esquentando a água pra tomar um verde, quando eu ouvi uma gritaria vindo da rua. Fui até a sala lentamente, sem me importar muito. Moro em uma região tipicamente movimentada principalmente, por volta das 19 horas.

Na sala encontrei a Borboletinha (Sra. Whalietric ou Sra. W.), meio assustada:
- Que foi? - eu disse.
- Eu ouvi um grito. - ela estava lívida.

Deixei o mate na mesa eu fui até a janela lateral da minha casa. Vi umas 3 pessoas olhando para frente do meu prédio. Fiquei levemente apreensivo e corri até a janela da frente. O mais estranho de tudo era que o barulho dos carros era alto e tudo acontecia como se eu assistisse um filme mudo. As bocas mexiam, mas eu só escutava os automóveis.

Lá presenciei uma cena que alguns diriam que é "de filme". Um homem de boné com uma faca na mão. Um outro encostado em um muro, acuado. O homem da faca parte pra cima do que está encostado no muro. E aí, qualquer pensamento "de filme" vai por água abaixo. Enquanto o da faca vai pra cima o outro se encolhe, tentando se proteger de alguma forma, claramente ineficaz.

A faca acerta o homem no muro na sua lateral esquerda.

Uma. Duas. Três vezes. Daqueles 3 que estavam olhando, pelo menos 2 parecem ir para cima do cara da faca. Ele aponta a faca na direção de um deles e depois de outro. Instintivamente, eles param. A faca pinga sangue na calçada. Eles levantam as mãos e se afastam. O agressor da faca saí caminhando olhando ao redor tranqüilamente. Seu rosto encoberto o tempo todo pelo boné, do ponto de vista que eu tinha.

Tudo isso deve ter levado uns 5 segundos. O homem esfaqueado parecia escorrer do muro. Aos poucos, ele foi deitando. A calça branca começou a tingir com um vermelho muito escuro, vívido. Seu rosto ao contrário, parecia estar abandonando a vida. Ocorreu uma certa correria. Uma das pessoas pegou o celular e começou a discar. Outro foi até o homem tentar reanimá-lo.

Nesse momento dei 2 passos cambaleantes para trás. Saí do quarto devagar. Fui até a sala. Peguei o telefone. A Sra. W. me interpela.
- Que que houve?
- Mataram um cara aqui embaixo... Não vai olhar.

Acabara de dar a senha para ela correr até a janela, com o mate em punho. Fiquei ali com o telefone na mão, desconcertado. A gente sempre acha que está pronto para tudo... mas não é bem assim. Eu não conseguia tirar da minha cabeça a imagem da calça, cada vez mais empapada de sangue. Do quarto, a Sra. W. gritou para chamar uma ambulância.

Retomei meu raciocínio e comecei a agir. Liguei para o SAMU. Chamei a polícia.

Acabamos acompanhando tudo dali de cima. Desde de a hora que eu ou o cara do celular ligou para a ambulância até o momento da chegada da mesma, decorreram exatos 45 minutos. O trabalho dos socorristas foi apenas jogar um fino pano azul sobre o corpo. Curiosos se alomeraram em frente ao prédio, com as mais diversas reações. Carros chegavam a parar no meio da rua. A entropia aumentando quase que espontâneamente.

Outra hora e finalmente chega a Brigada Militar. Mais 20 minutos, a Polícia Civil, junto com a perícia. Todo mundo se afastou nesse momento, com exceção de 2 das 3 pessoas que foram ameaçadas pelo agressor da faca. A perícia fez o "local" ali mesmo.

Outra hora e meia o caminhão do IML. O corpo é atirado numa espécie de leiteira e atirado outra vez dentro do caminhão.

Não fiquei olhando tudo isso. A Sra. W. com sua típica curiosidade, ficou mais tempo assistindo. Meu estômago pareceu embrulhar, mas logo depois passou. Continuamos tomando o mate. Não falamos mais sobre isso. Abracei forte minha esposa, com clara preocupação. Reforcei as típicas táticas de atenção para com ela, quando ela está na rua, chegando em casa, no ônibus, entre outros. Ela disse simplesmente "eu sei... eu sei...".

Nossa vida continua exatamente igual. Não fiquei sabendo quais fatos levaram ao crime. Não sei porque tudo aquilo aconteceu. Confesso que recentemente tenho pensado na fragilidade da nossa vida e na quantidade de agressividade que podemos despejar em outro ser humano. E logo depois, acabo esquecendo tudo. Porque a vida continua.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Aconteceu comigo - O Cuspe

Eu lembro de um acontecimento bem inusitado que ocorreu quando eu ainda era um piá. Eu estava no intervalo da aula ("recreio"), correndo pelo pátio do colégio. Confesso que não era muito meu costume mas era um dia bom... Eu me sentia bem. Então, não mais que de repente, encontrei um colega que vou carinhosamente chamar de Mala.

O Mala era o típico... mala. Ele era estranho. Muito. Se movia de modo estranho. Parecia que tinha tido algum tipo de problema de nascença. Tinhas as pernas e os braços arqueados para dentro, as mãos meio bobas. Era estrábico, mas seus olhos era de um azul muito forte. Tinha a cabeça desproporcional em relação ao corpo e parecia que ela pendia de um lado para outro. Era um boneco de molas com a cabeça solta e os pés tortos.

Era esperado que um cara desses fosse recluso, ridicularizado, inibido ao extremo. Afinal, esse é o estereótipo. Era exatamente o contrário. Ele era chato, falador, azarava as guriazinhas, tirava onda com as professoras (não tinha professores na minha série), e ainda dava peteleco em todo mundo. Além dos clássicos: desenhar pintão na cadeira, botar tachinha, fazer zarabatana com Bic usando munição de papel e cuspe, entre outros. Cuspe. Pois é.

Neste dia em que eu estava na minha, correndo e jogando bola no pátio, o puto do Mala resolveu pegar no meu pé. Ele começou gritando coisas do tipo bichinha, fazendo aquelas riminhas bobas (dizendo que eu comia casca de ferida, por exemplo, algo altamente ofensivo naquela idade), chamando de pé torto, essas coisas.

O meu limite, que era muito maior naquela época, tinha sido finalmente atingido e resolvi encará-lo, já que ninguém fazia isso. Mandei ele calar a boca. Ele continuou. Mandei de novo. Ele continuou e acrescentou algo envolvendo pus e cocô. Eu mandei ele parar de novo agora com um empurrão. Ele revidou o empurrão com as mãos tortas e com ranho no nariz escorrendo e voltou a falar do pus. Quando eu fui empurrar de novo, veio o golpe fatal: uma bela cusparada na minha cara.

Muitos outros colegas assistiam tudo de camarote. Várias meninas, e o interesse por elas já começava a ser maior que brincar de Comandos em Ação. Uma guria olhou e gritou: ARGH, ele tá com um cuspe na cara! Todos que estavam por ali começaram a rir e apontar. Ele deu aquele sorriso débil e, naqueles poucos segundos que mais pareciam um eternidade, eu experimentei o gosto amargo da humilhação. Ele ficou lá... Sorrindo. Debochadamente.

Durante todo esse tempo o cuspe escorria pelo meu rosto. E, pra nojeira geral e irrestrita, um tanto caiu na minha boca. Dentro dela. Acho que essa foi a primeira vez que eu perdi a cabeça. Eu senti muita raiva. Uma raiva incontrolável. Eu limpei o cuspe como deu, esfregando a manga do meu abrigo 3 listras (procura na net mané!) no rosto tentando tirar o que podia.

No segundo seguinte o meu olhar se voltou pra ele. Eu adoraria saber o que ele viu. O sorriso saiu daquele rosto, adquirindo um ar de desespero. Ainda assim eu podia ouvir ele rindo, como se eu conseguisse ouvir só o som dele. Ele se virou e começou a correr, comigo logo atrás dele. No que ele virou, bateu com o rosto em uma árvore, mas conseguiu continuar correndo.

Ele correu pra dentro do prédio, tentando chegar até a sala de aula. Eu consegui acompanhá-lo, mas ele chegou antes e tentou fechar a porta. Eu me joguei contra a porta, e ele não conseguiu me impedir. A porta estava aberta e agora era só eu e ele.

Fui na direção dele. Ele me pedia pra parar. Me pedia desculpas, por favor. Aí, quando eu estava quase aceitando ele tentou me cuspir de novo. Dessa vez eu me esquivei rápido e o cuspe não pegou. Revidei com outra cusparada que pegou na mão e na roupa dele. Ele dizia: "Tá, já se cobrou. Parô. Parô.". Eu concordei: "Tá bom. Parô então.". Aí, ele se aproxima e me mete um tapa no rosto. O tapa foi ainda pior que o cuspe. Parecer ligar algo mais primitivo dentro de mim. Eu só queria ver o Mala sangrando. Era só o que eu pensava.

A coisa ficou feia. Revidei o tapa com um empurrão e um tapa no rosto dele. Ele tentou me acertar outro tapa, mas eu defendi com a mão. Segurei ele pelos cabelos e comecei a dar socos na barriga dele, até ele cair.

Nessa altura eu já não enxergava mais nada. Tudo que eu queria era que ele sofresse muito. Ele caiu no chão e aí eu comecei a chutar a barriga dele. Uma. Duas. Três vezes. Na quarta eu ía começar a pisar na cabeça dele. E eu estava com os meus Adidas preto de couro. Eu não pensava mais nada. E o pé estava no ar mirando a cabeça do Mala. Eu fui impedido por uma professora e um bando de alunos com os olhos arregalados.

Acabei no SOE. A tal orientadora me perguntou o que tinha me levado a fazer aquilo. Afinal, eu era um aluno exemplar. Eu contei pra ela. Ela ficou séria. Disse que mesmo assim eu não podia fazer isso. O Mala tinha problemas e eu devia relevar essas coisas que ele fazia. Perguntei se ela deixaria ele cuspir na cara dela. Ela me disse para sentar quieto na mesa e me deu 2 gibis para ler. Eu só sairia dali depois que ela quisesse.

Naquele dia muitas coisas ficaram claras para mim:
- Em primeiro lugar, você pode ser o maior filho da puta sacana, as pessoas sempre vão achar que você tem um problema e por algum motivo você ficou daquele jeito. No fundo, elas acham que você é sacana é legal.
- Em segundo, você pode ser um cara legal, estudioso e calmo, mas se você fizer algo desse tipo é culpa é sempre sua. Afinal, você é tão responsável que deve ser e agir como um "homenzinho". No fundo, as pessoas te acham sem graça. Um chato.
- Terceiro, a justiça e a moral são subjetivas... They are in the eye of the beholder.

Dia desses encontrei o Mala, no supermercado. Eu olhei e reparei que era ele só de olhar. Numa atitude infantil, desviei o olhar e me virei de costas. Não queria falar com ele. Sequer olhar pra ele. E era assim que esta história devia acabar.

Só que a realidade é estranha. Ele veio e me abraçou efusivamente. Fiz aquela cara de surpresa. Ele me perguntou da vida e como eu estava. Minha esposa me olhava sabendo que havia algo errado, pois eu estava branco. Ele me apresentou a noiva. Marcamos uma janta na casa dele. Trocamos telefone. Ele apontava para mim falando de como era meu fã no colégio. E que eu era o mais legal de todos os colegas pois eu conversava com ele. Ele não tinha mais aquele jeito estranho, apesar do andar ainda esquisito. Ele deu as costas e foi-se acenando de longe para mim.

Só falta agora decidir se cuspo na cara dele na entrada da casa dele e evito o jantar ou depois da sobremesa.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Do pó ao pó - Parte 2

***************
A parte 1 do conto Do Pó ao Pó pode ser lida na íntegra AQUI
***************
Aquele episódio marcou o fim da nossa infância. Sabíamos que não éramos mais os mesmos. Um ano após aquela desgraça aconteceu algo ainda mais terrível. Meus pais foram encontrados dilacerados. Seus corpos espalhados aos pedaços por todos os cantos. Eu ouvi a notícia ainda na casa de Mark. Saí então correndo, fugido da casa do Mark, no meio da noite. Meu coração parecia que ia pular numa mistura de choro e apreensão.

Quando cheguei, encontrei alguns homens entrando e saindo da casa. Um deles conduzia um velho carrinho de mão. Outro vomitava ao lado da entrada. Era um lar muito simples, sendo um pouco melhor que uma pequena choupana. Os homens pareciam absortos com outras coisas, enquanto eu, com meu tamanho diminuto, passei tranquilamente entre eles. Quando entrei na pequena casa de meus pais algo se remexeu no meu estômago, alcançando rapidamente a minha garganta.

Um cheiro nauseabundo exalava de dentro da casa. Fiquei firme e não vomitei. Escancarei a porta e me amaldiçoei por minha estupidez. Aquela não era mais a minha casa. Era apenas um departamento do inferno. Vi pedaços de membros fora dos seus lugares, retorcidos, saindo de lugares improváveis em um corpo que mais lembrava um monte de carne putrefata atirada ao chão. O teto estava manchado com uma mistura de sangue, fezes e bile, prováveis responsáveis pelo cheiro do local. Existiam símbolos estranhos pintados com sangue na parede, bem como figuras grotescas em situação de sodomia. Agora o inferno se apresentava para mim pela segunda vez

Dei alguns passos para trás e vomitei. Eu chorava e não conseguia mais reter meus líquidos estomacais. De repente fui arrastado dali. O choro compulsivo impedia que eu enxergasse o que ocorria. Acabei por desmaiar.

Acordei novamente na casa dos Hagen. Eu estava no quarto de Lily, deitado em sua cama. Seus lençóis tinha cheiro de margaridas e eu enxergava outras flores na sob a penteadeira. Lily estava do meu lado segurando um pano úmido sobre a minha testa:
– Oi Adi.... Você está melhor?
– Sim... Obrigado Lily.

O cheiro dela era doce. Seus cabelos longos tocavam minha face úmida pelas lágrimas. Ela segurava minha mão, enquanto seu corpo se debruçava sobre o meu. O tecido fino de sua camisola revelava formas que eu nunca tinha percebido antes. Senti uma espécie de comichão, algo diferente. Olhei para região dos meus quadris e percebi que meu corpo começou a agir, se mover, sem que eu quisesse. Fiquei assustado.
– Lily, eu quero ficar sozinho um pouco, tá?
– Calma, Adi.
– Por favor... Lily.

Ela me olhou, estranho. Eu nunca tinha dito “por favor” para Lily. Ela sabia que algo estava diferente. Me encolhi rapidamente tentando esconder minha primeira ereção e minha vergonha.
– Hum... Está bem. Vou chamar a Madame para ela ver como você está.
– Lily... Como eu vim parar aqui, em casa?

Lily ia começar a falar e de repente emudeceu. Ela fez uma cara estranha. Olhou para os lados. Parecia desorientada.
– Adi, eu não lembro. Estranho, não? Vou chamar a Madame.

Enquanto ela saía, eu me virei para janela do quarto.

Gritei. Havia uma sombra no vidro e os mesmos olhos de fogo que eu já tinha visto. Esfreguei os olhos e olhei novamente para janela. Não havia nada lá. Isso tudo era só o começo.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Do pó ao pó

O ambiente obscuro e sinistro dessa casa me trazia lembranças. Memórias de um tempo a muito tempo esquecido. Uma pequena fração de mim se perde em devaneios, ficando esquecida junto ao pó das minhas recordações. Eu me deixo perder, calmo, tranqüilo. Enfim...
- Droga! Porra! Seu pedaço de merda! Acorda! Vai! ACORDA.

- O sangue não é forte o suficiente, Dorotya. Ele já era.

- Maldito! Maldito seja você!

Eu sinto ela chutar meu corpo. Eu estou no presente agora. Mas meu presente é somente o meu fim. Minha única chance talvez seja o começo. Sim... Eu lembro.

*********************************************

- Lesalle! Menino bobo... Lesalle! Ele vai ver só...

Eu fico olhando Lily a empregada nos procurando. Damos risinhos baixos e fazemos “ssshhh” com o dedo em riste perpendicular a boca um para o outro. Eu e Mark adorávamos fazer isso o dia todo com Lily. O interessante é que Lily não era muito mais velha do que eu e Mark. Mas éramos muito novos ainda. Nessa época, era só brincar o tempo todo.

A casa enorme dos pais de Mark era em um estilo vitoriano clássico, escura, sombria. Seu número infindável de cômodos era uma terra que constantemente era explorada por nós. Vivíamos fantasiando sobre savanas, faroeste, lutas em dunas desérticas e, claro, brincávamos de esconder com Lily. A eletricidade e o uso de lâmpadas dentro da casa era uma extravagância para qualquer um naquela época. Algo realmente digno do status que a família Hagen ostentava. Eram as pessoas mais ricas, milionárias, que viviam em Paris. E meus pais adoravam que eu passasse a maior parte do tempo junto a eles, na casa de Mark. Não porque eu tinha um amigo. Mas porque eles eram ricos. Nessa época eu sequer imaginava o que o pai de Mark fazia. Tudo que me importava era me esconder de Lily.

- Vai Adi! Pra biblioteca, vai corre!

- Que que você vai fazer Mark?

- Vou gritar bem alto!

- Quê?

Mark respira fundo e grita: - Lily boboca, come casca de ferida!

- Mark! Ela vai nos matar agora! Corre! Corre!

Não sabia se corríamos mais ou se ríamos mais. Era um riso nervoso, misturado ao medo de ser capturado pelo inimigo feminino: Lily.

Contudo, entramos na biblioteca em silêncio para não atrair a atenção de Lily. Pé ante pé fomos entrando. Nesse instante nos deparamos com o Pai de Mark sentado na sua cadeira, de costas para nós. Na mesa ao lado da cadeira, um copo de uísque e um cachimbo. Eu fiz menção de ir olhar o cachimbo. Antes que eu pudesse me mexer, ouvi um forte estampido e de tão assustado, dei um grito. Um pedaço da cabeça do Pai de Mark acabou indo parar no rosto de Mark. Recebemos uma fina chuva de sangue no corpo. Alguns livros ficaram manchados para sempre. A Ilha do Tesouro é um deles. O tapete de um tom verde musgo passa a ser negro e pegajoso. Finalmente uma poça de sangue alcança nossos pés.

Lily entra na biblioteca e começa a gritar. Eu parecia não escutar mais nada. Num ato ainda mais estranho, Mark pega na minha mão e vamos até a parte da frente da cadeira. O corpo do pai de Mark jaz cortado, eviscerado. O que restou da cabeça estava pendurado como um toco de árvore velha, jazendo na poltrona. Nunca entendi o que Mark queria ver ali.

Ficamos ali parados não sei por quanto tempo. Não conseguimos dizer nada. Depois dali ficamos quase 1 mês sem dizer palavra qualquer. Os policiais não conseguiram explicar como alguém podia ter eviscerado a si próprio e ainda ter se matado.

Naquele dia, antes de sair da biblioteca, jurei ter visto olhos de fogo por trás da cortina. Uma presença horrenda estava lá dentro e só eu senti. Um cheiro forte de carne podre empesteava o ar. Eu tinha sido levado as portas do inferno pela primeira vez.

Continua...

sábado, 8 de março de 2008

Meu final do Conto "A Kombi"

Bom, o conto (sem o final) pode ser lido aqui.

O meu final... finalmente :)

(...)
As gurias começaram a gritar e meu amigo puxou meu sogro antes de entrar, perguntando se ele tinha uma arma. As mulheres fechavam janelas e portas. Ao chegar na porta entrei correndo e olhei para rua. Há uns 4 metros da porta estava o pequeno ET, correndo em direção a casa, segurando alguma coisa na mão. Mais afastado estava o maior correndo também em direção à casa. Tudo que nos separava deles agora era a porta.

É impressionante como um ato pode mudar uma vida. Confesso que fiquei alguns segundos divido entre bater a porta na cara daquilo ou deixá-lo entrar e abrigá-lo. Pensamentos de todos os tipos invadiam minha cabeça. Religião. Moral. Tudo rápido demais...

Foi então que, no meu devaneio... Deixei ele entrar.

Fechei a porta enquanto o ser se atirava no chão da sala. Ele parecia uma criança acuada. Ele se esgueirou até o canto do sala. Sua respiração parecia difícil. Meu sogro ficou com a arma em punho. Mas ele tremia muito.

Esperávamos alguma reação. Agora eu podia ver que aquilo era realmente uma espécie de capacete. Era difícil ver seus olhos... Mas uma vez mais minha fascinação havia sido quebrada por estranhos sons do lado de fora da casa... Zunidos... Como se um enxame viesse na nossa direção.

De repente, a madeira estalou... Estranhamente pedi para que o restante do pessoal saísse dali. Instintivamente levei os braços ao rosto para protegê-lo e fechei meus olhos. Não houve nenhum tipo de deslocamento de ar... Apenas as paredes de madeira arrebentaram.

Senti uma dor aguda percorrer o meu corpo, mas eu estava vivo. Baixei os braços e criei coragem para abrir os olhos. O pequeno visitante parecia mal, com seu traje rasgado... Seja lá o que aconteceu do lado de fora, a arma usada pareceu acertar em cheio o visitante. No meu corpo, finos estilhaços de madeira tinham penetrado meus braços e pernas.

O buraco na parede da casa de madeira permitiu que eu visse o que ocorria do lado de fora. Humanóides vestidos com uma roupa preta estavam no pátio. O objeto voador parecia pousado. Eles deviam ser os tripulantes da nave. Eles não usavam capacete. Eles tinham a pele rosa, cabeça afinada e queixos pontudos, lembrando os cavanhaques dos faraós egípcios. Seus olhos eram um pouco maiores que os nossos. Não pareciam ter nariz. Possuíam pupilas mas todos tinham as cores do olhos iguais: um roxo muito forte. Eles apontavam armas na nossa direção.

Dois deles foram direto ao pequeno ET de roupa cinza. Percebi que eles abriam e fechavam a boca e pareciam dizer algo. Eu não escutava nada. Olhei em volta e vi que as gurias pareciam em choque, chorando e apontando para mim. Elas pareciam berrar, mas eu não ouvia som algum.

Um dos seres de roupa preta, parou, me olhou e mexeu a boca. Ele parecia ter uma cicatriz no rosto bem entre os olhos. Ele levou a arma para trás da cabeça. Ele ergueu uma das mãos, mas eu não entendia o que acontecia. Com medo, fui me afastando devagar... Dando pequenos passos para trás... Então, senti algo pontiagudo nas minhas costas, na altura do rins. Parecia afiado. O ET maior com roupa cinza, estava atrás de mim. Ele botou o braço em volta do meu pescoço. Parece que eu tinha virado um refém. Os de roupa preta pegaram nas armas e apontaram na minha direção.

Felizmente o ET com a cicatriz pareceu evitar que eles disparassem. Aos poucos o meu captor foi me levando para fora. Ele me levou até o lado de fora. Afastou um pouco o braço. De repente, senti uma dor uma forte nas costas. Ele tinha me esfaqueado... Caí de joelhos, e olhei para trás. Ele fugia em direção ao objeto voador. Então, do nada, vejo o ET que me esfaqueou sendo arremessado contra a casa. Na direção contrária a que ele fugia uma luz aparecia. A luz era da Kombi que agora espatifava o corpo do ser contra o que tinha sobrado daquele lado da casa.

Dentro da Kombi vi meu amigo... Boca aberta, olhos esbugalhados... Aparentemente com muita raiva. De alguma forma ele tinha conseguido sair de casa e pegar sua amada Kombi.

O que lembro depois é muito pouco. Sei mais o que me contaram. Depois do atropelamento extraterrestre com a Kombi salvadora, eu desmaiei. Minha namorada e meu amigo contaram que o seres de preto eram uma espécie de polícia e que aqueles outros dois eram fugitivos. Os ETs de preto falavam português e eram responsáveis por aquele setor. Disseram que há muito já vigiavam essas terras e que tinha aprendido nossa língua. Meu amigo quase não se continha rindo... Ele repetia pra mim: eram ETs de Puuurtugal!

Ah, evidentemente voltei a ouvir. Fui tratado pelos próprios ETs. Eles tinha uma medicina aparentemente mais avançada e me curaram em questão de meia hora. Eles disseram que isso provavelmente nunca mais iria acontecer. Eles deixaram uma espécie de sinalizador eletrônico. Caso um dia precisássemos. Vai entender...

Naquele dia acordei meio grogue na cama da minha sogra, mas pelo menos estava inteiro de novo. Não sei se metade do que os seres disseram era verdade. Não faço idéia nessa história quem era bom e quem era mau. Não sei que tipo de crime os fugitivos teriam cometido. Não sei o que o pequeno ET trazia na mão. Não sei que tipo de coisa furou minhas costas. Não sei de que planeta vieram. Mas, certamente este acontecimento tinha mudado minha vida para sempre: agora, eu também era um fã de Kombi.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Conto

Ando meio fora do ar com notícias... Entretanto, andei lendo sobre o roubo de informações sigilosas da Petrobrás que estavam em um container. Tudo resolvido já. Inevitavelmente, isso rende, no mínimo, um conto.

*****************************************

A Caixa

- Aqui estão.

Os documentos se espalham na mesa de Herr Victor. Alguns papéis ficam um pouco para fora e estão um visivelmente manchados. Os DVDs que tocaram a mesa parecem não ter sofrido nada. As janelas tomadas pela fuligem de São Paulo dão aquele ar adequado ao escritório: um muquifo.

- Não se assuste com o aspecto deles. Os DVDs devem estar funcionando.

Herr Victor não levanta a cabeça para me olhar. Aliás, se isso não fosse tão importante para ele, certamente essa atitude já teria me custado a vida. Ainda bem que ele parece de bom humor. Afinal, só tem um corpo sangrando atirado nessa sala. Deve ser um bom dia. Ainda bem que não é o meu.

- Por muita menos essa imbecil aí na chão tomo uma tiro nas cornos! Onde estão as modos das jovens hoje? Hein? Eu como teu bunda! Eu como teu bunda!

- Ora, Herr Victor. Nós dois sabemos que o resto dos documentos estão em um outro local, mais seguro. E assim que eu receber, eles aparecem. Por isso, eu não quero sujar o seu tapete... Como esse cara aí... - eu aponto pro chão.

Herr Victor não ri. Ele nunca riu, eu acho. Ele arfa, grunhe, rosna e até morde. Mas nunca ri. Só falta um dia eu descbrir que ele é um pastor.

Ele fala algo em alemão no telefone. A secretária gostosa dele entra. Eu adoro quando ela entra. Alta, cabelos ruivos, olhos negros. Não sei se eu gosto mais de vê-la rebolando quando vai da mesa do Herr Victor de volta pra mesa dela ou do jeito que ela dá uns pulinhos para passar por cima dos corpos. Ah, os pulinhos.

- Frida vai testar as DVDs e você espera comigo. Frida traz um coca pro moço!

Frida. Lugar comum. Aposto que esse nem é o nome dela. Ela me olha. Eu congelo. Ficamos uns poucos segundos assim.

- Normal ou zero?

Meu Deus... Ela falava também.

- Normal, obrigado.

Eu finalmente sento na cadeira.

- Então, conta pra Herr Victor como conseguiu esse corte no cara... Parece bem feio, não?

Eu olho pra ele. Enquanto eu olho para o rosto enrugado daquele alemão, fico pensando: como é que pode? Não posso esquecer essa última noite tão cedo. O porto estava silencioso. Talvez fosse a chuva. Apesar da chuva, Macaé continuava uma cidade bem quente. A presença de um homem andando entre os containers seria facilmente percebida pelos vigias com sua câmeras de visão noturna, mesmo naquela chuva. Pena que eles já estavam mortos. Eu sei... os caras não ganhavam o suficiente pra tomar um bala na cabeça... Eu sei que foi sacanagem... Mas primeiro eu. Eu.

Achar o container foi fácil. O Serviço do rato que eu subornei estava certinho. Petrobrás, 5501E. Moleza. Era só abrir e sair. Abri o cadeado como se fosse uma lancheira de criança. Tinha uma caixa logo na entrada. Lanterna nela. Abri. Bingo. Tudo que eu queria. E eles ainda fizeram o favor de deixar tudo junto: DVDs, notebooks, disco rígido e mais uma papelada. Muita coisa parecia sobre estudos de novas bacias de petróleo. Coisa de cachorro grande. Não era pro meu bico. Peguei tudo e botei na mochila.

Dei mais uma olhada no container. A lanterna refletiu uma pequena caixa metálica. Cheguei perto e fui tentar pegá-la. Era estranhamente pesada.

Olhei com mais atenção. Parecia um paralelepípedo de metal. Foi então que aconteceu...

- Sua coca. Está tudo funcionando Herr Victor.

Meu devaneio não levou mais que 5 segundos. Ela era bem eficiente.

- Bom. Bom. Pode pegar sua dinheiro.

Ele me joga um papel pardo com algum peso dentro.

- Euros?

- Sim. Pode ir agora. Eu muita ocupado. Traz a resto. Trinta minutos. Olha lá! Olha lá!

- Pode deixar. Até daqui a pouco.

Peguei a coca e saí. Tinha um papel embaixo da latinha. "Tudo certo. Frida." e um número de celular. Pisco para ela antes de entrar no elevador. Ela lança um olhar gelado. Deve ser esse corte na cara.

Ah... Pois é. A caixa caiu no meu pé. Doeu. Mas eu não gritei. Não fiz nada não. O corte no rosto? Bom... Isso tem a ver com a Frida. Aquela vaca enfiou a unha no meu rosto a noite passada. Mas valeu. Ela trepa bem. Muito bem.

Pelo menos consegui convencer ela a matar o velho. Trepa bem... Mas é burrinha. Típico. Essa altura o velho tá morto, ela deve tá sendo presa e eu posso vender o que sobrou pro Irlandês. Simples.

Impressionante como existem denuncias anônimas pra Polícia hoje em dia.

Quando chegar em casa dou uma olhada na caixa com calma.

************************

Droga... Tenho que arrumar essa fechadura...

- Frida?

- Surpreso?

- Não... Claro que não... Só não esperava te ver aqui.

- Pois é. Saí antes da polícia chegar.

- Ué... Teve polícia é? E o velho morreu?

- Cala boca, idiota.

A gente entra na minha casa. Ela sacou. Bom. Ela não é tão burrinha.

- Eu quero pegar o resto das coisas.

- Porque não me mata primeiro Frida?

Ela puxa o revólver das costas. Aponta pra mim. Não deixou eu chegar perto.

- Tá. Tá legal. Tá aqui na bolsa.

- Passa! Vai!

Eu abro a bolsa. Pego a caixa com as duas mãos. Tiro devagar da bolsa.

- Aqui... PEGA.

Eu falei. Burrinha. Ela atira. Eu tenho sorte. Sempre tive. A bala pega na caixa. Volta pra ela. Belo estrago. Entra no olho direito. Deve ter pego no cérebro. A humanidade agradece.

Bom pelo menos agora já sei pra que serve essa caixa.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Enquete e paranóia

Bom estou postando a enquete para escolha do melhor final para o conto "A Kombi", que pode ser lido aqui, no título "Saldando dívidas". Estou postando os comentários feitos na forma de texto neste post assim como foram escritos.

Final do Assamita
Hahahah, tá apelando pra prêmio pro pessoal comentar, que feio...
Lá vai meu final...
"Os ETs se aproximavam, o menor deles balançado algo que parecia ser uma papel. Com o medo que estávamos, nem prestamos atenção. Eles falavam uma língua estranha, parecendo cada vez mais exaltados com a nossa relutância em aparecer. Finalmente eles perderam a paciência e começaram bater na porta, como ela não abria eles partiram para a janela mais próxima, sobre do canteiro de flores. Assim que eles pisaram no canteiro minha sogra perdeu a paciência, disse
-Nas minhas flores ninguém pisa!!
Num movimento impossível para para alguém daquela idade, ela tomou a espingarda que tremia na mão do meu sogro e mandou dois balaços certeiros na cabeça dos ETs. Depois de passado o choque, resolvemos ver o que o ET pequeno balançava. Era uma tela de lcd, onde estava escrito em bom português: 'Não se preocupem, viemos em paz. Viajamos a galaxia inteira para recuperar nosso primeiro protótipo de nave espacial, perdido no espaço na década de 60.' No fim da mensagem, havia uma foto desta nave... exatamente igual a kombi do meu amigo. Finalmente descobri porque quem tem kombi não quer saber de trocar."

Abraços
Assamita
Final do Veybi
Já que (finalmente) tenho a chance de ganhar algo por algo que eu escreva... Melhor arriscar:

"Para a nossa incrível surpresa, ouvimos batidas na porta. mas não como pessoas tentando arrombar, mas como alguém desesperado. E alguns instantes depois ouvimos uma voz feminina, extremamente clara e muito bonita falando: "Por favor, me ajudem. Ajudem meu filho".

Depois de alguns segundos "travados", minha avó foi a primeira a reagir. Imagino que tenha sido algo de instinto maternal ou algo assim, mas de um pulo ela foi até lá e abriu a porta.
Os dois seres entraram rapidamente, e ao fundo pudemos ver mais 3 seres descendo da nave, que agora estava no pairando sobre o quintal.

Passado o choque inicial, pudemos ver que o ser menor segurava algo parecido com uma boneca. Uma boneca humana! E que o ser maior tinha claramente traços femininos.

O que ocorreu a partir daí foi uma seqüência de acontecimentos cada vez mais inacreditáveis. O ser maior se apresentou como Sachwa (ou um som parecido). E enquanto nos explicava estar fugindo de seus colegas, ouvimos novamente batidas à porta. E desta vez uma voz masculina falava: "Por favor. Nos deixem entrar. Não faremos mal algum a vocês."

Sachwa resumiu a história rapidamente: Eles estão há diversos anos pesquisando a Terra, porém pela lei de estudos científicos do planeta deles, eles não devem interferir com o estudo (tal qual cientistas humanos fazem com animais: observar, porém não interferir). Isto funcionou bem por vários anos. Porém, e tem sempre um porém, um dia ela se apaixonou por um humano e teve um filho com ele.

Dizendo isto ela retirou a máscara e meu amigo, o dono da Kombi, gritou surpreso: Sara!?

Tudo foi explicado e inclusive os seres que estavam do lado de fora foram admitidos na casa.

Maiores explicações foram dadas. Meu amigo ficou sabendo que Sara, ou melhor, Sachwa, deveria ir encontrá-lo e ir até a Kombi dele, pois os ETs queriam maiores detalhes sobre o comportamento humano. Porém ela não sabe dizer se foram as sardas do meu amigo, o clima da Kombi ou a champanhe que ela, inadvertidamente, aceitou... O fato é que acabou acontecendo. Ela tentou de tudo para esconder a gravidez dos colegas, mas em dado momento não havia mais como e ela contou tudo. Eles não sabiam como proceder, então pediram orientações para o governo do planeta deles. Aparentemente foi uma caso que comoveu as massas. Uns diziam que deveriam logo se apresentar aos terráqueos. Outros diziam que se fizessem isto os terráqueos tentariam jogar uma de suas bombas nucleares neles...

Por vários anos não se chegou à um consenso. Até que Sachwa decidiu que o pai da criança tinha pleno direito de saber e participar da decisão, fosse ele humano ou não. Aproveitando uma distração dos colegas ela foi procurar meu amigo, seguindo a Kombi, é claro.

naquela noite surreal, todos nós prometemos manter segredo quanto à presença deles na Terra. Porque, vocês dirão? Simples. Porque eles aceitaram que Sachwa passasse a viver com meu amigo como terráquea. E não exigiram nada. Só pediram para que não contássemos nada. Então todos nós tivemos certeza de que eles eram mesmo uma raça muito mais evoluída. Que eles tem problemas também, é claro. Mas que lidam com eles de forma muito mais educada e menos egoísta. Por isto tudo, achamos melhor deixar como está, até que nós, homens, melhoremos. Aí sim, não haverá perigo para nossos amigos distantes.
FIM.

Buenas, escrevo na correria então me desculpem possíveis erros de digitação e gramática.
Abraços a todos.
Veybi
Final do Anônimo (não é bem um final... mas uma idéia de final)
Cara descreva com mais detalhes....hehehe...Aí vai uma idéia que necessita da sua complementação.....
O ET pequeno aparece rapidamente em frente à porta portanto uma luneta, que prontamente ele oferece ao protetor da porta para observar o céu. Em seguida aparece o outro ser, com forma opulenta, entretanto amistosa, e o mesmo era possível de se observar através dos olhos daqueles seres com formas nada habituais. Como sempre Whalietric, astuto e curioso, decidiu falar com aqueles seres. Que prontamente tentaram ajustar um dispositivo em suas roupas...Entretanto a voz que saía tinha uma entonação de inglês com sotaque londrino....Então Whalie disse para ambos se comunicarem em português, para que os outros habitantes da casa entendessem o diálogo também...Após os ajustes, os ET's começam a falar em português de Portugal com os humanos...(crie um diálogo entre eles).....Após eles se conhecere Whalie abre a porta interagindo amigavelmente com os seres extraterrestres, que após ganharem a confiança deles abdusem à todos....Aí vc complementa.........huahuahauahua...


É só votar agora... A votação vai até 3 de março.




Qual o melhor final para o conto "A Kombi"
Final do Assamita
Final do Veybi
Final do Anônimo






terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Saldando dívidas

Sei que fiquei devendo um conto ontem... Mas estou corrigindo isso hoje! Fiquem com "A Kombi"

************************************
Bom, antes de mais nada quero contar algo muito sério, que aconteceu comigo um tempo atrás...

Eu estava viajando em uma espécie de kombi com uns amigos meus, nestas viagens para o interior do estado que eu costumo fazer. É impressionante como a gente se apega a um carro. Essa era uma kombi especial. Meu amigo sempre teve ela... Nem lembro bem da história, mas acho que o pai dele comprou pra ele... Bom, de qualquer jeito era velha de guerra e nos levava pra tudo que era lado.

Era um daqueles feriados de Páscoa, e decidimos ir para casa dos pais da minha namorada. Tudo ajustado, inclusive nossas respectivas namoradas e botamos o pé na estrada.

Os pais da minha namorada moravam bem no interior do estado... Estrada de chão batido mesmo. A viagem era um pouco longa, mas valia a pena. Chegamos lá. Tinha a parentada toda nos esperando, o que era muito legal. Muita festa, e o cansaço pegando depois de uma viagem de 5 horas.

Descansamos um pouco e vimos que um belo churrasco estava sendo preparado. Para minha surpresa, meu sogro só falava da kombi. Estava literalmente encantado. Meu amigo que entendia muito de kombi, começou a contar a histórias daquela fubeca.

Era uma noite extremamente agradável e de céu limpo. Estávamos jantando na rua, com ode costume naquela casa. Deixei o pessoal conversando e fui dar uma volta perto da onde tinha menos luz, para olhar aquele céu com toda sua majestade que a gente não enxerga na cidade grande. Fiquei um tempo ali de costas... Matutando quantos outros seres estariam fazendo o mesmo que eu naquele momento... Fiquei um bom tempo ali, contemplando as estrelas. Ouvi o pessoal chamar e decidi voltar. Antes porém, achei ter escutado um barulho. Parecia que algo se mexia na plantação de milho. A escuridão prejudicava bastante a visão do milharal. O pessoal me chamou novamente. Olhei uma vez mais para lá, mas não havia nada visível no milharal.

Me virei e fui em direção a casa. Acenei para o pessoal, mas ao erguer minha mão uma forte luz veio por trás de mim. Olhei para trás mas a luz era forte demais. Comecei a correr em direção a casa. Olhei para trás e o facho de luz apontava em outra direção. Nesse momento, ocorreu o fato que definiu minha vida daí pra frente.

Havia um objeto com no mínimo uns 15 m de comprimento pairando sobre a casa do vizinho. Ele tinha aquela forma de disco, e emitia o constante facho de luz, movimentando-o freneticamente em diversas direções. Quando o facho não estava na nossa direção era possível ver pequenas janelas e seres humanóides se mexendo dentro do disco. Do jeito que estavam agindo pareciam procurar algo no solo.

Para o meu espanto estávamos todos maravilhados olhando calmamente o que ocorria. Sempre fui um cara que defendia a seguinte tese: os ETs vão ir até aqui só pra brigar, matar e roubar? Acho que não.

Finalmente o facho de luz caiu sobre dois seres que se mexiam muito rapidamente no telhado do vizinho. eles tinham a cabeça alongada, com uma tez que puxava mais para o branco. Seus olhos pareciam compridos e completamente negros. Mais parecia uma mascara. O facho de luz revelou um ser aparentemente com o tamanho de um adulto e outro ser menor. Eles vestiam uma roupa cinza, como uma macacão inteiro. Eles pareciam fugir do disco. O maior agarrou o pequeno e parou parecendo procurar uma saída. Ele apontou a casa onde estávamos para o menor e eles pularam do telhado. E então o pânico teve início.

Instintivamente gritei:
- Corre, vai! Pra dentro da casa! Vai! VAI!

As gurias começaram a gritar e meu amigo puxou meu sogro antes de entrar, perguntando se ele tinha uma arma. As mulheres fechavam janelas e portas. Ao chegar na porta entrei correndo e olhei para rua. Há uns 4 metros da porta estava o pequeno ET, correndo em direção a casa, segurando alguma coisa na mão. Mais afastado estava o maior correndo também em direção a casa. Tudo que nos separava deles agora era a porta.
***********************************************

Existem vários finais possíveis. Eu sei de pelo menos uns 15 diferentes. Eu vou publicar o meu final (QUE JÁ ESTÁ PRONTO) em 3 a 5 dias, dependendo do número de comentários. Gostaria muito da contribuição dos meus leitores para descrever ou escrever um final para ela. Qualquer ele que seja eu pretendo publicar todos e fazer uma pequena enquete para ver qual o melhor final. Quem ganhar tem o privilégio de levar eu e minha excelentíssima esposa ao cinema (a combinar) ou fazer um churrasco (a combinar) lá em casa! SIM, O Lambda Crítico também da prêmios! Ah, detalhe: o Mago paga os ingressos integralmente do cinema, mas só 50% do churrasco. É a primeira promoção, calma lá gente...

Ah... ninguém quer saber se isso é um fato verídico? Enquanto isso, na sala da justiça...

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

AKHLOT - A História de Finli - Parte 2

A noite fria de Akhlot contrastava com a efervescência da Montanha Cinzenta, onde Finli se encontrava. A montanha, que muitas vezes seus próprios habitantes preferiam chamar de Akhlot, não revelava sua verdadeira essência a primeira vista. Ela era nada menos que a própria Akhlot, o local de morada de praticamente todos que habitavam aquele região. Seus complexos túneis, saídas e entradas, formavam a Akhlot que Finli conhecia. Nesta época, entretanto, o aspecto cinzento da montanha cedia ao branco gelado típico do inverno. Ao olhar do Oeste, um pico branco salientava-se no horizonte, coroando os verdejantes gramados típicos do Oeste.

E por mais festiva que Akhlot estivesse naquela noite, em um ambiente de música, comidas temperadas e vinho, Finli era uma ilha de solidão. Ursal e seu filho, Bhandir, aproximaram-se de Finli com uma vigorosa caneca de hidromel.

- Ainda lembro de quando você não possuía barba... Eu o chamava de Finli, o pequeno.
- Ora meu pai, não desmereça Finli! Hoje poderíamos chamá-lo de Finli, o largo, ou o calvo ou ainda...
- Ou ainda de o quebrador de dentes...

Finli vociferou as palavras para Bhandir. Bhandir cerrou a testa e pareceu rosnar, olhando firme para Finli, que era um pouco mais baixo que ele. Ursal e outros em volta ficaram um pouco apreensivos. Uma vez que os moradores de Akhlot brigavam, dificilmente algo os fazia parar, até que tudo em volta não estivesse destruído.

O fato durou pouco mais de dois segundos. De repente, um grita com o outro. Olhos nos olhos eles se abraçam e riem :
- Viva Akhlot! Viva Ursal e seus descendentes!
- Vida longa a Manthir e seus filhos! E os filhos destes!

Todos percebem a brincadeira, e riem e gritam em congratulação.

- HÁ! Não acredito que achavam mesmo que brigaríamos! - disse Bhandir levando a goela um generoso gole de hidromel.
- Ainda somos jovens demais meu amigo, para os túneis e habitantes de Akhlot. Só espero que esteja certo quanto ao meu pai. - arrematou Finli, com um sorriso amarelo estampado no rosto.

Ursal sentia a dor que o próprio Finli sentia por seu pai. Manthir fora grande amigo de Ursal, trabalhando longamente nos túneis de Akhlot. Infelizmente, Herah se aproximava impiedosa sobre Manthir, cujos anos pesavam agora duramente sobre suas costas.

- Seu pai será lembrado para sempre, Finli. Até mesmo as paredes de Akhlot murmurarão seu nome quando ele se for. Os Filhos de Manthir continuarão sua valorosa jornada na terra de Akhlot. E se as paredes esquecerem seus nomes, nosso corações guardarão sua imagem, influência e presença. Finli, filho de Manthir, seu pai já tem o lugar em Valqui.

Finli sorri candidamente. Ele abraça Manthir enquanto finas lágrimas escorrem pelo seu rosto. Emocionado, Bhandir, cujo nome fora inspirado em Manthir, dirigi-se a janela, escondendo a fronte já lavada pelas lágrimas.

Silenciosamente, Bhandir pede a Betelguese a estrela de Akhlot brilhando firme no céu:
- Oh deusa dos céus, Betelguese! Permita que Manthir recupere sua boa saúde. Eu pessoalmente não quero que Finli se vá, enfrentar a própria Hera em terras estrangeiras. Mas se for de sua vontade, então eu seguirei Finli onde for para não permitir que sua maldade o persiga mais!

Bhandir sabia que suas palavras eram vazias. Ele não podia nada contra os deuses celestiais. Na verdade, Bhandir queria apenas que seu melhor amigo Finli não procurasse Hera tão de perto quanto ele planejava. Seria duro demais mesmo para os corajosos e duros Akhlotianos perder o último dos filho homem da família de Manthir.

Enquanto isso a noite seguiu festiva, com o vento a soprar gelado e firme contra as encostas da Montanha Cinzenta, escondendo da visão de Akhlot o mal que se formava no Leste.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Uma história de super-herói(?)

Estava cansado. Tinha chegado a pouco da minha ronda e precisava dormir. Mas, eu não conseguia. As imagens dos últimos acontecimentos ainda não saíam da minha cabeça. Um dia após o outro eu via diversos seres passando ao alcance do meu toque. Um toque capaz de muitas coisas. Um toque que eu não era capaz de sentir. Mesmo assim, a vida que eu vivia agora era sempre correndo. Ou fugindo, ou perseguindo alguém, ou alguma coisa. Nunca foi o que desejei para mim. Enquanto eu caminhava e divagava, olhava para as minhas luvas, aquelas que tinham sido o maior acontecimento da minha vida. Se eram o melhor ou o pior, eu ainda não tinha certeza.

- Redentor! - Olhei em volta, após ouvir uma voz familiar chamar por mim.
- Aqui em cima. Estou sem sono. Quer conversar? - Disse o meu mais recente amigo, Escudo.

Olhei para cima e o vi flutuando um pouco acima da beirada do prédio, como ele sempre faz. Enquanto eu subia as escadas até o terraço eu lembrava que, às vezes, eu tinha inveja dessa capacidade que ele tinha. Ele podia voar quando quisesse. Eu, só quando as luvas queriam. Eu sei, eu estava aprendendo, mas nunca pude voar pelo simples prazer de voar. As luvas tinham um propósito. Eu deveria servir à elas, e não elas me servirem. Entretanto, as técnicas de meditação estavam ajudando e, com muito esforço, eu já conseguia flutuar como ele, como se as luvas dissessem "Está bem, eu vou ajudar você, mas só um pouquinho".

- Bela vista, não? - disse Escudo, ao me ver chegar.

Me aproximei da beirada para me certificar. Era uma noite clara. A lua estava alta e grande no céu, enquanto um halo de luminosidade parecia protegê-la como um campo de força. A neve que refletia a luz do luar deixava uma brilho fracamente azulado ao redor da paisagem. As folhas nas árvores se mexiam levemente sob a brisa gelada que vinha do norte. E a sombra da montanha atrás da Escola, a qual sempre parecia um gigante tentando engoli-la, era bem menos ameaçadora.

- Seu turno da vigia? - perguntei.
- Não. Decidi deixar o garoto dormir. Eu estava sem sono e ele praticamente dormindo em pé. Já pensou no Bricker caindo de cara no telhado após desmaiar de sono?
- Podíamos pousar o avião diretamente no hangar, sem abrir a porta... - falei com um sorriso amarelo.
- Continua tentando decifrar o seu fardo? Não me parece muito feliz... - retrucou Escudo.

Baixei a cabeça e olhei para as luvas sem dizer nada.

- Talvez eu entenda mais do que você pensa... - disse Escudo, sem que eu dissesse sequer uma palavra.

- Redentor, será que você já se perguntou se realmente deveríamos estar aqui? Será que deveria realmente existir um Escudo, ou um Bricker, ou até o Redentor? Eu não duvido dos propósitos divinos, mas veja o que acontece ao nosso redor: somos perseguidos e caçados e eu posso lhe dar uma dúzia de causas diferentes para que isso tudo ocorra. Mas, será que nossos inimigos não estão certos?

- Só porque somos diferentes? O que está dizendo, enlouqueceu? - respondi com certa fúria em minha voz.

- Não, e eu tão pouco concordo com isso. Veja, se somos superiores física e metalmente aos demais, e impedimos que coisas ruins aconteçam, nós estamos realmente fazendo o que é certo? Veja suas luvas, por exemplo, elas lhe deram o poder, ainda que quando elas querem, de ser o juiz, o júri e o algoz de toda uma espécie de seres que julgamos serem maus... Eles atacam e matam humanos, mas será que não é isso mesmo que deve acontecer?

- Você não pode estar falando sério... - respondi, assustado.

- Outro exemplo: Bricker. Ele é um garoto e provavelmente, um dos seres mais poderosos que já habitaram a Terra. Já imaginou quando ele for mais velho e estiver no seu auge? Já parou pensar que talvez toda aquela história de me prenderem foi para que eu não atrapalha-se o real motivo da existência do Bricker? Será que não é ele que está sendo perseguido para criar uma nova raça de super-seres? Já imaginou mulheres inseminadas com o sêmen do garoto, e o que teríamos?

- Beterrabas tamanho GG? - respondi ironicamente.

Escudo me olhou sério. Durante 3 segundos.

- Ele é roxo! O que esperava... - complementei.

- O grande problema é que a maioria das pessoas, humanos, pensa como eu estou lhe dizendo. Nós, metahumanos, somos vistos como uma ameaça a sociedade humana comum e, pelo menos em parte, eles têm razão. Muitos de nós trocam socos primeiro e perguntam depois. Não deveria haver a diferenciação. Devíamos tentar resolver nosso problemas e diferenças juntos e não tentar nos defender uns dos outros... Às vezes, penso que se o Escudo não existisse, tudo seria melhor. Talvez, nós só estejamos matando a borboleta antes dela sair do casulo... Impedindo que algo melhor venha a surgir.

Olhei o Escudo com muita atenção e surpresa. Debaixo daquela aura azul de pura energia e de toda aquela serenidade e formalidade, havia um ser humano.

- Sabe de uma coisa: por tudo isso que você é, você é o meu metahumano favorito. Cara, você é simplesmente um super-herói. Só os verdadeiros super-heróis se preocupam com isso. Com o certo e o errado. E você está lutando para não perder isso. Eu ainda tenho muito que aprender com você...

- Obrigado. Você é um grande amigo. E preciso aprender a rir disso tudo de vez em quando. - diz Escudo.

- Já pensou em como seria estar num gibi? Nós íamos ganhar muito dinheiro. - disse eu, zombando.

- Como seria?

- Redentor e Escudo, contra o mal.

- Quem sabe Escudo e Redentor?
- Os mutunas! Que tal?
- Nossa, você é péssimo nisso... Vamos descer. Tem uma pizza no freezer. Eu vou esquentar com as mãos.

- Podia deixar de ser tão exibido...

Enquanto ríamos das bobagens que dizíamos, eu notei que eu não estava só. E que pelo menos, eu não tinha perdido aquilo que realmente importava: minha humanidade.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

A Natureza dos Seres

Há muito não o via: Barak Uldur, O Renegado. Um orc perseguido pelo seus. Não que este não seja um fato comum entre eles. Todavia, esta história tem a interferência de um ser humano. Um a interferência que talvez tenha custado a vida e a reputação de Barak entre os seus, para sempre.

Houve uma época, em que eu ainda era um aprendiz, quando fui designado para uma tarefa um tanto quanto esquisita: deveria observar o tempo que julgasse necessário uma família de orcs. Nunca esperava algo assim. Mas, Mestre Kyril, O Fogo Verde, jamais explicava nada a seus alunos. Simplesmente devia cumprir a missão, enquanto eu seria avaliado pelos enviados dele. Como, eu sequer imaginava.

Consegui detectar uma família de orcs nas Montanhas de Lydia. Fui até lá, e lancei um feitiço de invisibilidade em mim mesmo. Subi em uma frondosa árvore que ficava em frente da toca dos orcs e esperei.

Pouco vi senão aquilo que eu já sabia sobre os orcs. Seus hábitos detestáveis e sua atitudes estúpidas. Nada mais além daquele comportamento hediondo. Na terceira noite de minha vigília fui surpreendido. Uma fêmea orc aproximava-se da toca orc, se arrastando e gemendo. Percebi o volume em sua barriga e vi que ela carregava vida em seu ventre. O orc macho saiu da sua toca como se tivesse farejado um cheiro que repudiava com todas as forças: grunhindo e brandindo sua espada, em busca do intruso que invadia suas terras. Então ele percebeu a fêmea. Ele não pensou duas vezes. Ergueu a fêmea e a levou para dentro com um gesto rápido. Não ousei me aproximar mais, mas fiquei espantado com tal atitude. Esperei até o amanhecer.

Logo ao amanhecer, ouvi os orcs de dentro da casa berrando como animais. A fêmea deve ter morrido pensei. De repente, de dentro da toca, o corpo ensanguentado da fêmea sai voando e se espatifa no chão. Nas mãos do orc, uma bebê orc. O orc que parecia ser o chefe pulava com o pequeno no colo, como outros orcs a sua volta. Talvez seus filhos. Eram 9 no total. Eles gritavam Barak Uldur, a plenos pulmões.

Decidi chamá-lo, para efeito de registro, com a expressão que os orcs gritavam: Barak Uldur. Me surpreendeu o fato de um orc estar celebrando a vida e tratando seu filho com uma espécie de carinho, ainda que fosse um tanto brutal. Confesso que de certo modo, senti afeto pela pobre criança. Algo como o afeto que temos pelo filhote de um cão que encontramos vagando pelas ruas.

Um mês depois, fui surpreendido. Enquanto fazia a minha observação já durante a noite, a criança foi, de repente, jogada pela entrada da toca, batendo com força na árvore onde eu estava. Em seguida, seus irmãos saíram da toca e o atingiram. Diversas vezes. Socos e chutes. Finalmente, o famigerado pai saiu de dentro da toca, retirando um a um os orcs que espacavam Barak. Me surpreendi, pois não esperava que ele tentasse manter a ordem. Não um orc. Ele se aproximou da criança. Fiquei alguns instantes ali parado, olhando para baixo, para aquele montículo de ser vivo, enroscado nas raízes nodosas daquela grande árvore. Ele então sorriu e golpeou com um chute poderoso a criança. A criança berrou e com um último suspiro, pareceu desmaiar. O orc pai pareceu dizer alguma coisa com as mãos erguidas para o céu. Com o meu parco conhecimento da língua orc, percebi que ele falava algo sobre "real valor" e "prova de resistência". Ele se virou e voltou para dentro da toca.

Fiquei furioso. Para a criança provar seu valor ela deveria sobreviver a fúria dos seus próprios familiares. Por um momento, me enchi de nojo das criaturas que acompanhava, já fazia algum tempo. Seres desprezíveis e hediondos. Então, olhei para baixo e vi a pobre criança orc caída. Vendo seus ferimentos, desci. Foi então que cometi o erro que Barak Uldur talvez jamais me perdoe.

Vendo seu estado lamentável, apliquei-lhe um feitiço de cura profunda. Acabei por eixar o feitiço de invisibilidade cair, revelando a minha identidade. Consegui restituir boa parte de sua vitalidade, o suficiente para recuperar-se sozinho. Foi então que percebi que a criança me olhava fixamente espantado com a minha atitude, ou com medo, por ser tão diferente dele mesmo. Me levantei, e fui me afastando com cautela. Não imaginava qual seria sua reação. Então, ele balbuciou: Anouk. Dei as costas para ele e disparei em direção a guilda. Nunca mais fui observá-lo.

Mais tarde, descobri que Anouk signifca o nome do ser que os leva para morte. Não sei como a criança sabia disso. Ontem acabei emboscado por uma dezena de orcs. Estávamos eu e um elfo negro andando pelo mundo quando fomos encurralados. Fomos atacados ferozmente. Fui derrubado por um golpe que me atingiu pelas costas. Caí, e ao me virar, um orc grande erguia sua lâmina no ar. Ele gritou e antes de finalizar o golpe parou. Olhou para o meu rosto e falou: Anouk. Ficamos paralisados nos olhando, por poucos segundos. Ele então se voltou contra os próprios irmãos, matando pelo menos 3 deles. Aliados, eu, o elfo negro e o orc não éramos páreo para os outros orcs. Dois orcs, ainda fugiram. O elfo negro não acreditava e não entendia o que tinha acontecido. Ofegante, o olhei e falei: Barak Uldur. Ele me olhou e, por um breve momento, pude ver um sorriso de felicidade no seu rosto. Ele ergueu sua arma e berrou. Depois, saiu correndo.

Às vezes, durante à noite, fico imaginando se ele não irá aparecer. Com uma faca na minha garganta por ter desgraçado sua vida e se tornado um poscrito ao me defender, ou como um velho amigo. Um dia descobrirei, da pior ou da melhor maneira possível.

Goliath Whalietric, O Ressurgido

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

AKHLOT - A História de Finli

Era um dia muito frio nas montanhas de Akhlot.
Na sua grande maioria, todos os dias eram assim. Mas no verão, as flores tomavam as colinas que se tornavam uma espécie de mosaico colorido de padrão incerto, mas de uma beleza ímpar para aqueles que habitavam Akhlot.
O trabalho era duro mesmo nos dias frios. Era necessário sempre sair em busca de carne, pois o apetite dos moradores de Akhlot não era dos menores. E era Finli o caçador escolhido daquela dia.
Em seu auxílio, seu primo Bhandir saiu com ele em busca da carne de javali branco, a mais saborosa, e que Finli jurou aos seus entes queridos conseguir.
– Bah! Maldito seja você e sua família, Finli, filho de Manthir!
– Você é sangue do meu sangue, Bhandir, filho de Ursal. Porque me afronta desta maneira? – respondeu Finli com um riso sarcástico estampado no seu rosto.
– Zombeteiro de uma figa! Me tirar do lado de minha querida Ulin para buscar carne.
– Você se ofereceu primo, lembra? – retrucou Finli.
– Você sabe porque me ofereci. Eu lhe devo.
– Então porque ainda estamos discutindo?
Bhandir parou então de resmungar e, no instante seguinte, não bastasse a neve que se abatia sobre Ahklot, um forte vento começou a açoitá-los.
– Brunhilda, A Senhora Gelada, decidiu soprar logo agora... Somos azarados, primo! – gritou Bhandir.
Finli então parou e ergueu os olhos tentando enxergar os mais longe que podia. O vento cortava os olhos e o rosto, mas Finli estava decidido a desafiar o sopro da Senhora Gelada.
– Pois saiba primo, que eu não concordo com o que me diz. Eu acho que seu sopro é um desafio. Um chamado. Uma tentativa de chamar a atenção daqueles que a veneram com fervor. Acho que ela quer que a encontremos. Acho que ela quer que seus filhos vão de encontro ao Norte, ter para com as pessoas altas. Ensinar e aprender com elas.
– Devaneios! Bah, eu adeio seus devaneios primo! Do jeito que gritamos para Brunhilda os javalis já devem ter fugido! – disse Bhandir dando as costas para Finli.
– Eu já tenho tudo planejado primo! Em menos de um mês você saberá tudo! – disse Finli enigmático.
Bhandir sabia o que seu primo queria dizer. E, no fundo, homens de Akhlot, ou de qualquer lugar, da espécie deles, não tentaria abraçar o primo mais velho que muito lhe ensinou. Não tentaria evitar que partisse, por mais que lhe doesse o coração. Pois mesmo com todo este sentimento, Bhandir sempre soube que Finli se aventuraria fora dos domínios de Ahklot. E agora, isso estava tão perto, que a dor e a raiva que lhe permeavam a alma e o corpo eram grandes demais para serem revelados.
FIM DA PARTE 1