segunda-feira, 23 de outubro de 2006

A Natureza dos Seres

Há muito não o via: Barak Uldur, O Renegado. Um orc perseguido pelo seus. Não que este não seja um fato comum entre eles. Todavia, esta história tem a interferência de um ser humano. Um a interferência que talvez tenha custado a vida e a reputação de Barak entre os seus, para sempre.

Houve uma época, em que eu ainda era um aprendiz, quando fui designado para uma tarefa um tanto quanto esquisita: deveria observar o tempo que julgasse necessário uma família de orcs. Nunca esperava algo assim. Mas, Mestre Kyril, O Fogo Verde, jamais explicava nada a seus alunos. Simplesmente devia cumprir a missão, enquanto eu seria avaliado pelos enviados dele. Como, eu sequer imaginava.

Consegui detectar uma família de orcs nas Montanhas de Lydia. Fui até lá, e lancei um feitiço de invisibilidade em mim mesmo. Subi em uma frondosa árvore que ficava em frente da toca dos orcs e esperei.

Pouco vi senão aquilo que eu já sabia sobre os orcs. Seus hábitos detestáveis e sua atitudes estúpidas. Nada mais além daquele comportamento hediondo. Na terceira noite de minha vigília fui surpreendido. Uma fêmea orc aproximava-se da toca orc, se arrastando e gemendo. Percebi o volume em sua barriga e vi que ela carregava vida em seu ventre. O orc macho saiu da sua toca como se tivesse farejado um cheiro que repudiava com todas as forças: grunhindo e brandindo sua espada, em busca do intruso que invadia suas terras. Então ele percebeu a fêmea. Ele não pensou duas vezes. Ergueu a fêmea e a levou para dentro com um gesto rápido. Não ousei me aproximar mais, mas fiquei espantado com tal atitude. Esperei até o amanhecer.

Logo ao amanhecer, ouvi os orcs de dentro da casa berrando como animais. A fêmea deve ter morrido pensei. De repente, de dentro da toca, o corpo ensanguentado da fêmea sai voando e se espatifa no chão. Nas mãos do orc, uma bebê orc. O orc que parecia ser o chefe pulava com o pequeno no colo, como outros orcs a sua volta. Talvez seus filhos. Eram 9 no total. Eles gritavam Barak Uldur, a plenos pulmões.

Decidi chamá-lo, para efeito de registro, com a expressão que os orcs gritavam: Barak Uldur. Me surpreendeu o fato de um orc estar celebrando a vida e tratando seu filho com uma espécie de carinho, ainda que fosse um tanto brutal. Confesso que de certo modo, senti afeto pela pobre criança. Algo como o afeto que temos pelo filhote de um cão que encontramos vagando pelas ruas.

Um mês depois, fui surpreendido. Enquanto fazia a minha observação já durante a noite, a criança foi, de repente, jogada pela entrada da toca, batendo com força na árvore onde eu estava. Em seguida, seus irmãos saíram da toca e o atingiram. Diversas vezes. Socos e chutes. Finalmente, o famigerado pai saiu de dentro da toca, retirando um a um os orcs que espacavam Barak. Me surpreendi, pois não esperava que ele tentasse manter a ordem. Não um orc. Ele se aproximou da criança. Fiquei alguns instantes ali parado, olhando para baixo, para aquele montículo de ser vivo, enroscado nas raízes nodosas daquela grande árvore. Ele então sorriu e golpeou com um chute poderoso a criança. A criança berrou e com um último suspiro, pareceu desmaiar. O orc pai pareceu dizer alguma coisa com as mãos erguidas para o céu. Com o meu parco conhecimento da língua orc, percebi que ele falava algo sobre "real valor" e "prova de resistência". Ele se virou e voltou para dentro da toca.

Fiquei furioso. Para a criança provar seu valor ela deveria sobreviver a fúria dos seus próprios familiares. Por um momento, me enchi de nojo das criaturas que acompanhava, já fazia algum tempo. Seres desprezíveis e hediondos. Então, olhei para baixo e vi a pobre criança orc caída. Vendo seus ferimentos, desci. Foi então que cometi o erro que Barak Uldur talvez jamais me perdoe.

Vendo seu estado lamentável, apliquei-lhe um feitiço de cura profunda. Acabei por eixar o feitiço de invisibilidade cair, revelando a minha identidade. Consegui restituir boa parte de sua vitalidade, o suficiente para recuperar-se sozinho. Foi então que percebi que a criança me olhava fixamente espantado com a minha atitude, ou com medo, por ser tão diferente dele mesmo. Me levantei, e fui me afastando com cautela. Não imaginava qual seria sua reação. Então, ele balbuciou: Anouk. Dei as costas para ele e disparei em direção a guilda. Nunca mais fui observá-lo.

Mais tarde, descobri que Anouk signifca o nome do ser que os leva para morte. Não sei como a criança sabia disso. Ontem acabei emboscado por uma dezena de orcs. Estávamos eu e um elfo negro andando pelo mundo quando fomos encurralados. Fomos atacados ferozmente. Fui derrubado por um golpe que me atingiu pelas costas. Caí, e ao me virar, um orc grande erguia sua lâmina no ar. Ele gritou e antes de finalizar o golpe parou. Olhou para o meu rosto e falou: Anouk. Ficamos paralisados nos olhando, por poucos segundos. Ele então se voltou contra os próprios irmãos, matando pelo menos 3 deles. Aliados, eu, o elfo negro e o orc não éramos páreo para os outros orcs. Dois orcs, ainda fugiram. O elfo negro não acreditava e não entendia o que tinha acontecido. Ofegante, o olhei e falei: Barak Uldur. Ele me olhou e, por um breve momento, pude ver um sorriso de felicidade no seu rosto. Ele ergueu sua arma e berrou. Depois, saiu correndo.

Às vezes, durante à noite, fico imaginando se ele não irá aparecer. Com uma faca na minha garganta por ter desgraçado sua vida e se tornado um poscrito ao me defender, ou como um velho amigo. Um dia descobrirei, da pior ou da melhor maneira possível.

Goliath Whalietric, O Ressurgido

4 comentários:

  1. Cara... Meu parabéns. Uma história radicalmente diferente do teu "padrão". Pois apesar de deixar 6 milhões de ganchos para histórias passadas e futuras, ela tem um começo, um meio e um fim (mesmo que todos momentâneos).

    Neste texto acredito que tu superou um dos teus maiores "vícios". Não lembro de er lido este texto. Se tu já publicou-o antes, me havia passado desapercebido.

    Muito legal mesmo.
    []s

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  2. =)

    Muito bom o texto, até me pilhei pra começar a escrever de novo, hehehe. Confesso que fiquei surpreso com o começo dele, mas que tu conseguiu prender a atenção até o final.

    Continue assim.

    Elderheymn

    PS.: o copo manda um abraço.

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