quinta-feira, 25 de maio de 2006

Encontro

Hoje eu acordei cedo. Olhei em volta e tudo estava exatamente como sempre.

A buzina do caminhão continuava lá. Tocando. Tocando. Tocando.

Levantei da cama. Não abri a janela pois continuava chovendo. E ainda faltavam 10 horas.

Decidi pegar o sabonete na despensa. Afinal, ele não estava no banheiro. De novo. De novo.

O chuveiro pingava. Como sempre. E ontem eu arrumei o registro. Como sempre.

Liguei a TV enquanto ela dizia "... e agora nossos comerciais.". Novamente. novamente.

Eu decidi subir até o telhado. Assim eu podia ver o atropelamento. O rapaz com a flores. O ônibus 575. A menininha brincando com a mochila nas costas.

De lá eu vi os cães. Eu ficava olhando eles. Vendo como andavam em bandos. E o homem. O homem em volta. Batia nos cães. E eles quietos. Submissos...

O QUE?! Os cães latiram? Eles latiram? Porque hoje eles latiram? Eles... eles nunca latem!
Eles estão atacando o homem! Meu Deus! Eles...

Desci correndo enquanto ainda tinha tempo. Eram só 10 horas. mas era tudo diferente. Eu podia sair daqui agora. Era minha chance. Um dia diferente! Um dia!

Eu corri para o banco. Rápido! Rápido! Não lembrava de nada. A velha continuava enrolada com a porta, na frente do banco. Vamos! Rápido! Rápido! Tentei passar. O segurança me barrou. Como sempre. Como sempre. Tinha que esperar.

Entrei. Preciso encontrá-la. Rápido! Ela não está na mesa. Ainda são 11 horas. O banheiro!

Entrei. Rápido! Gritos. Droga. DROGA! Eu grito:
- Eu estou aqui! Os cães latiram! Hoje! Eu ouvi! Eles latiram!

O segurança me jogou para fora do banco. Antes já foi assim. Já foi assim.

Sento nos degraus. Tenho que esperar. Tempo. Tempo. Tenho tempo.

Só as 4 horas da tarde ela aparece. Linda.
- É a hora.

Ela me olha sorrindo. Eu a desejo. A quero. Profunda e totalmente.
- Tem certeza? - ela me diz - Não foi bem isso que combinamos. Ou foi?
- Claro que foi. Você me disse.
- Você sabe que não pode me enganar. - ela falou enquanto puxava um cigarro.
- Não há necessidade disso. Você já me tem. Você sabe.
- É. Eu sei. É que adoro te ver implorar. - gargalhou ela com uma baforada de cigarro.

Fiquei ali amedontrado. Como sempre. Como sempre.

- Vai ficar aí parado ou vai me acompanhar. Vamos para minha casa.

Eu fui. Lá ela me explicou tudo que eu já sabia. De novo. De novo. Tudo de novo. Ela me disse as condições. De novo.
- Eu já sei tudo isso!
- Certo. Não precisar se irritar. Para ter certeza, você vai ficar aqui comigo. Até as 9 da noite, não é mesmo?
- Está bem.

Ela me trouxe um bolo. Comemos e tomamos café. Ela me contava como andava atarefado e disse que não tinha esquecido de mim. Apenas era difícil para ela aceitar que pelo menos uma vez ela errou. Por algum motivo estranho, ela tinha se confundido. Eu argumentei que sua profissão deveria estar sujeita a isso afinal, eram tantos que queriam a sua atenção ao mesmo tempo, deveria ser complicado.

Ela sorriu e se aproximou. Disse que o que mais gostava era da minha companhia. Gostava de conversar comigo. Eu era sempre diferente. Isso a deixava feliz. Sua boca se aproximou da minha. Seu perfume me inebriava. Eu a queria. Beijei sofregamente seus lábios frios. Eu a queria. Era tudo que eu queria. Como sempre. Como sempre.

Fizemos amor. Muitas vezes. Ela dormia tranquila. Eu me sentia estranho. Sentia um alívio. Havia tirado um peso do meu peito. Eram 9 horas. Era a hora. Novamente.

- Chegou a hora.

Ela levantou devagar. Olhando profundamente nos meus olhos.
- Eu não entendo. Olha tudo que temos. Porque quer ir? Você me ama. Admita.
- Não. Só quero ser livre.

Ela levantou e acendeu outro cigarro.
- Fica. Eu te amo.
- Você sabe que não pode.
- Eu posso tudo. Você já devia saber.
- Me deixa ir. Você pode conseguir quem quiser.
- Eu só quero você. Mais ninguém.
- Por favor. A enternidade é longa demais para mim.

Ela suspirou fundo.
- Está bem. Me dá um beijo. O último de hoje.

Fui ao seu encontro. Novemente eu sentiu o seu hálito gelado e adorei. O beijo da Morte é doce. Fácil de se querer. Eu senti a vida se esvaindo. Escorregando pelas minhas entranhas. Devagar e calmamente. Um torpor. Um fim. Finalmente. O dia chegava ao fim.

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Hoje eu acordei cedo. Olhei em volta e tudo estava exatamente como sempre.

A buzina do caminhão. Tocando. Tocando. Tocando. E ainda faltavam 10 horas.

O sabonete não estava no banheiro. De novo. De novo. E o chuveiro pingava. Como sempre. Como sempre.

Eu vi os cães. E eles quietos. Submissos... Como sempre. Como sempre.

2 comentários:

  1. Descobriiiiiiiiiiiiiiiiii!!
    O cara tá morto, ou condenado a viver sempre o MESMO dia, todos os dias!

    Acertei?!
    Hein?!
    Hein?!

    Não estraga com a minha alegria, vai...
    hehehehehe

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  2. "Feitiço do tempo"...
    ou está usando drogas?????
    abç, gonça

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