quinta-feira, 30 de novembro de 2006

AKHLOT - A História de Finli - Parte 2

A noite fria de Akhlot contrastava com a efervescência da Montanha Cinzenta, onde Finli se encontrava. A montanha, que muitas vezes seus próprios habitantes preferiam chamar de Akhlot, não revelava sua verdadeira essência a primeira vista. Ela era nada menos que a própria Akhlot, o local de morada de praticamente todos que habitavam aquele região. Seus complexos túneis, saídas e entradas, formavam a Akhlot que Finli conhecia. Nesta época, entretanto, o aspecto cinzento da montanha cedia ao branco gelado típico do inverno. Ao olhar do Oeste, um pico branco salientava-se no horizonte, coroando os verdejantes gramados típicos do Oeste.

E por mais festiva que Akhlot estivesse naquela noite, em um ambiente de música, comidas temperadas e vinho, Finli era uma ilha de solidão. Ursal e seu filho, Bhandir, aproximaram-se de Finli com uma vigorosa caneca de hidromel.

- Ainda lembro de quando você não possuía barba... Eu o chamava de Finli, o pequeno.
- Ora meu pai, não desmereça Finli! Hoje poderíamos chamá-lo de Finli, o largo, ou o calvo ou ainda...
- Ou ainda de o quebrador de dentes...

Finli vociferou as palavras para Bhandir. Bhandir cerrou a testa e pareceu rosnar, olhando firme para Finli, que era um pouco mais baixo que ele. Ursal e outros em volta ficaram um pouco apreensivos. Uma vez que os moradores de Akhlot brigavam, dificilmente algo os fazia parar, até que tudo em volta não estivesse destruído.

O fato durou pouco mais de dois segundos. De repente, um grita com o outro. Olhos nos olhos eles se abraçam e riem :
- Viva Akhlot! Viva Ursal e seus descendentes!
- Vida longa a Manthir e seus filhos! E os filhos destes!

Todos percebem a brincadeira, e riem e gritam em congratulação.

- HÁ! Não acredito que achavam mesmo que brigaríamos! - disse Bhandir levando a goela um generoso gole de hidromel.
- Ainda somos jovens demais meu amigo, para os túneis e habitantes de Akhlot. Só espero que esteja certo quanto ao meu pai. - arrematou Finli, com um sorriso amarelo estampado no rosto.

Ursal sentia a dor que o próprio Finli sentia por seu pai. Manthir fora grande amigo de Ursal, trabalhando longamente nos túneis de Akhlot. Infelizmente, Herah se aproximava impiedosa sobre Manthir, cujos anos pesavam agora duramente sobre suas costas.

- Seu pai será lembrado para sempre, Finli. Até mesmo as paredes de Akhlot murmurarão seu nome quando ele se for. Os Filhos de Manthir continuarão sua valorosa jornada na terra de Akhlot. E se as paredes esquecerem seus nomes, nosso corações guardarão sua imagem, influência e presença. Finli, filho de Manthir, seu pai já tem o lugar em Valqui.

Finli sorri candidamente. Ele abraça Manthir enquanto finas lágrimas escorrem pelo seu rosto. Emocionado, Bhandir, cujo nome fora inspirado em Manthir, dirigi-se a janela, escondendo a fronte já lavada pelas lágrimas.

Silenciosamente, Bhandir pede a Betelguese a estrela de Akhlot brilhando firme no céu:
- Oh deusa dos céus, Betelguese! Permita que Manthir recupere sua boa saúde. Eu pessoalmente não quero que Finli se vá, enfrentar a própria Hera em terras estrangeiras. Mas se for de sua vontade, então eu seguirei Finli onde for para não permitir que sua maldade o persiga mais!

Bhandir sabia que suas palavras eram vazias. Ele não podia nada contra os deuses celestiais. Na verdade, Bhandir queria apenas que seu melhor amigo Finli não procurasse Hera tão de perto quanto ele planejava. Seria duro demais mesmo para os corajosos e duros Akhlotianos perder o último dos filho homem da família de Manthir.

Enquanto isso a noite seguiu festiva, com o vento a soprar gelado e firme contra as encostas da Montanha Cinzenta, escondendo da visão de Akhlot o mal que se formava no Leste.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Precisa de um favor

FAVORVILLE

Putz, que iniciativa duca. Tomara que dê certo. Me lembrou o filme Corrente do Bem. Dá uma olhadinha que vale a pena.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Da série Legendando...

Eu mostro a imagem. Você manda a legenda nos comentários.

Dá uma olhada aí embaixo.


SEXO com George Bush: Bom meninash, depois de alissar beeemmm o perrú vossê pode porr ele na boca, assim ó...

Rapidinha... Ou não

ORGASMO GLOBAL MUNDIAL!

É isso mesmo. Não tem outro jeito de definir não.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Uma história de super-herói(?)

Estava cansado. Tinha chegado a pouco da minha ronda e precisava dormir. Mas, eu não conseguia. As imagens dos últimos acontecimentos ainda não saíam da minha cabeça. Um dia após o outro eu via diversos seres passando ao alcance do meu toque. Um toque capaz de muitas coisas. Um toque que eu não era capaz de sentir. Mesmo assim, a vida que eu vivia agora era sempre correndo. Ou fugindo, ou perseguindo alguém, ou alguma coisa. Nunca foi o que desejei para mim. Enquanto eu caminhava e divagava, olhava para as minhas luvas, aquelas que tinham sido o maior acontecimento da minha vida. Se eram o melhor ou o pior, eu ainda não tinha certeza.

- Redentor! - Olhei em volta, após ouvir uma voz familiar chamar por mim.
- Aqui em cima. Estou sem sono. Quer conversar? - Disse o meu mais recente amigo, Escudo.

Olhei para cima e o vi flutuando um pouco acima da beirada do prédio, como ele sempre faz. Enquanto eu subia as escadas até o terraço eu lembrava que, às vezes, eu tinha inveja dessa capacidade que ele tinha. Ele podia voar quando quisesse. Eu, só quando as luvas queriam. Eu sei, eu estava aprendendo, mas nunca pude voar pelo simples prazer de voar. As luvas tinham um propósito. Eu deveria servir à elas, e não elas me servirem. Entretanto, as técnicas de meditação estavam ajudando e, com muito esforço, eu já conseguia flutuar como ele, como se as luvas dissessem "Está bem, eu vou ajudar você, mas só um pouquinho".

- Bela vista, não? - disse Escudo, ao me ver chegar.

Me aproximei da beirada para me certificar. Era uma noite clara. A lua estava alta e grande no céu, enquanto um halo de luminosidade parecia protegê-la como um campo de força. A neve que refletia a luz do luar deixava uma brilho fracamente azulado ao redor da paisagem. As folhas nas árvores se mexiam levemente sob a brisa gelada que vinha do norte. E a sombra da montanha atrás da Escola, a qual sempre parecia um gigante tentando engoli-la, era bem menos ameaçadora.

- Seu turno da vigia? - perguntei.
- Não. Decidi deixar o garoto dormir. Eu estava sem sono e ele praticamente dormindo em pé. Já pensou no Bricker caindo de cara no telhado após desmaiar de sono?
- Podíamos pousar o avião diretamente no hangar, sem abrir a porta... - falei com um sorriso amarelo.
- Continua tentando decifrar o seu fardo? Não me parece muito feliz... - retrucou Escudo.

Baixei a cabeça e olhei para as luvas sem dizer nada.

- Talvez eu entenda mais do que você pensa... - disse Escudo, sem que eu dissesse sequer uma palavra.

- Redentor, será que você já se perguntou se realmente deveríamos estar aqui? Será que deveria realmente existir um Escudo, ou um Bricker, ou até o Redentor? Eu não duvido dos propósitos divinos, mas veja o que acontece ao nosso redor: somos perseguidos e caçados e eu posso lhe dar uma dúzia de causas diferentes para que isso tudo ocorra. Mas, será que nossos inimigos não estão certos?

- Só porque somos diferentes? O que está dizendo, enlouqueceu? - respondi com certa fúria em minha voz.

- Não, e eu tão pouco concordo com isso. Veja, se somos superiores física e metalmente aos demais, e impedimos que coisas ruins aconteçam, nós estamos realmente fazendo o que é certo? Veja suas luvas, por exemplo, elas lhe deram o poder, ainda que quando elas querem, de ser o juiz, o júri e o algoz de toda uma espécie de seres que julgamos serem maus... Eles atacam e matam humanos, mas será que não é isso mesmo que deve acontecer?

- Você não pode estar falando sério... - respondi, assustado.

- Outro exemplo: Bricker. Ele é um garoto e provavelmente, um dos seres mais poderosos que já habitaram a Terra. Já imaginou quando ele for mais velho e estiver no seu auge? Já parou pensar que talvez toda aquela história de me prenderem foi para que eu não atrapalha-se o real motivo da existência do Bricker? Será que não é ele que está sendo perseguido para criar uma nova raça de super-seres? Já imaginou mulheres inseminadas com o sêmen do garoto, e o que teríamos?

- Beterrabas tamanho GG? - respondi ironicamente.

Escudo me olhou sério. Durante 3 segundos.

- Ele é roxo! O que esperava... - complementei.

- O grande problema é que a maioria das pessoas, humanos, pensa como eu estou lhe dizendo. Nós, metahumanos, somos vistos como uma ameaça a sociedade humana comum e, pelo menos em parte, eles têm razão. Muitos de nós trocam socos primeiro e perguntam depois. Não deveria haver a diferenciação. Devíamos tentar resolver nosso problemas e diferenças juntos e não tentar nos defender uns dos outros... Às vezes, penso que se o Escudo não existisse, tudo seria melhor. Talvez, nós só estejamos matando a borboleta antes dela sair do casulo... Impedindo que algo melhor venha a surgir.

Olhei o Escudo com muita atenção e surpresa. Debaixo daquela aura azul de pura energia e de toda aquela serenidade e formalidade, havia um ser humano.

- Sabe de uma coisa: por tudo isso que você é, você é o meu metahumano favorito. Cara, você é simplesmente um super-herói. Só os verdadeiros super-heróis se preocupam com isso. Com o certo e o errado. E você está lutando para não perder isso. Eu ainda tenho muito que aprender com você...

- Obrigado. Você é um grande amigo. E preciso aprender a rir disso tudo de vez em quando. - diz Escudo.

- Já pensou em como seria estar num gibi? Nós íamos ganhar muito dinheiro. - disse eu, zombando.

- Como seria?

- Redentor e Escudo, contra o mal.

- Quem sabe Escudo e Redentor?
- Os mutunas! Que tal?
- Nossa, você é péssimo nisso... Vamos descer. Tem uma pizza no freezer. Eu vou esquentar com as mãos.

- Podia deixar de ser tão exibido...

Enquanto ríamos das bobagens que dizíamos, eu notei que eu não estava só. E que pelo menos, eu não tinha perdido aquilo que realmente importava: minha humanidade.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

A Natureza dos Seres

Há muito não o via: Barak Uldur, O Renegado. Um orc perseguido pelo seus. Não que este não seja um fato comum entre eles. Todavia, esta história tem a interferência de um ser humano. Um a interferência que talvez tenha custado a vida e a reputação de Barak entre os seus, para sempre.

Houve uma época, em que eu ainda era um aprendiz, quando fui designado para uma tarefa um tanto quanto esquisita: deveria observar o tempo que julgasse necessário uma família de orcs. Nunca esperava algo assim. Mas, Mestre Kyril, O Fogo Verde, jamais explicava nada a seus alunos. Simplesmente devia cumprir a missão, enquanto eu seria avaliado pelos enviados dele. Como, eu sequer imaginava.

Consegui detectar uma família de orcs nas Montanhas de Lydia. Fui até lá, e lancei um feitiço de invisibilidade em mim mesmo. Subi em uma frondosa árvore que ficava em frente da toca dos orcs e esperei.

Pouco vi senão aquilo que eu já sabia sobre os orcs. Seus hábitos detestáveis e sua atitudes estúpidas. Nada mais além daquele comportamento hediondo. Na terceira noite de minha vigília fui surpreendido. Uma fêmea orc aproximava-se da toca orc, se arrastando e gemendo. Percebi o volume em sua barriga e vi que ela carregava vida em seu ventre. O orc macho saiu da sua toca como se tivesse farejado um cheiro que repudiava com todas as forças: grunhindo e brandindo sua espada, em busca do intruso que invadia suas terras. Então ele percebeu a fêmea. Ele não pensou duas vezes. Ergueu a fêmea e a levou para dentro com um gesto rápido. Não ousei me aproximar mais, mas fiquei espantado com tal atitude. Esperei até o amanhecer.

Logo ao amanhecer, ouvi os orcs de dentro da casa berrando como animais. A fêmea deve ter morrido pensei. De repente, de dentro da toca, o corpo ensanguentado da fêmea sai voando e se espatifa no chão. Nas mãos do orc, uma bebê orc. O orc que parecia ser o chefe pulava com o pequeno no colo, como outros orcs a sua volta. Talvez seus filhos. Eram 9 no total. Eles gritavam Barak Uldur, a plenos pulmões.

Decidi chamá-lo, para efeito de registro, com a expressão que os orcs gritavam: Barak Uldur. Me surpreendeu o fato de um orc estar celebrando a vida e tratando seu filho com uma espécie de carinho, ainda que fosse um tanto brutal. Confesso que de certo modo, senti afeto pela pobre criança. Algo como o afeto que temos pelo filhote de um cão que encontramos vagando pelas ruas.

Um mês depois, fui surpreendido. Enquanto fazia a minha observação já durante a noite, a criança foi, de repente, jogada pela entrada da toca, batendo com força na árvore onde eu estava. Em seguida, seus irmãos saíram da toca e o atingiram. Diversas vezes. Socos e chutes. Finalmente, o famigerado pai saiu de dentro da toca, retirando um a um os orcs que espacavam Barak. Me surpreendi, pois não esperava que ele tentasse manter a ordem. Não um orc. Ele se aproximou da criança. Fiquei alguns instantes ali parado, olhando para baixo, para aquele montículo de ser vivo, enroscado nas raízes nodosas daquela grande árvore. Ele então sorriu e golpeou com um chute poderoso a criança. A criança berrou e com um último suspiro, pareceu desmaiar. O orc pai pareceu dizer alguma coisa com as mãos erguidas para o céu. Com o meu parco conhecimento da língua orc, percebi que ele falava algo sobre "real valor" e "prova de resistência". Ele se virou e voltou para dentro da toca.

Fiquei furioso. Para a criança provar seu valor ela deveria sobreviver a fúria dos seus próprios familiares. Por um momento, me enchi de nojo das criaturas que acompanhava, já fazia algum tempo. Seres desprezíveis e hediondos. Então, olhei para baixo e vi a pobre criança orc caída. Vendo seus ferimentos, desci. Foi então que cometi o erro que Barak Uldur talvez jamais me perdoe.

Vendo seu estado lamentável, apliquei-lhe um feitiço de cura profunda. Acabei por eixar o feitiço de invisibilidade cair, revelando a minha identidade. Consegui restituir boa parte de sua vitalidade, o suficiente para recuperar-se sozinho. Foi então que percebi que a criança me olhava fixamente espantado com a minha atitude, ou com medo, por ser tão diferente dele mesmo. Me levantei, e fui me afastando com cautela. Não imaginava qual seria sua reação. Então, ele balbuciou: Anouk. Dei as costas para ele e disparei em direção a guilda. Nunca mais fui observá-lo.

Mais tarde, descobri que Anouk signifca o nome do ser que os leva para morte. Não sei como a criança sabia disso. Ontem acabei emboscado por uma dezena de orcs. Estávamos eu e um elfo negro andando pelo mundo quando fomos encurralados. Fomos atacados ferozmente. Fui derrubado por um golpe que me atingiu pelas costas. Caí, e ao me virar, um orc grande erguia sua lâmina no ar. Ele gritou e antes de finalizar o golpe parou. Olhou para o meu rosto e falou: Anouk. Ficamos paralisados nos olhando, por poucos segundos. Ele então se voltou contra os próprios irmãos, matando pelo menos 3 deles. Aliados, eu, o elfo negro e o orc não éramos páreo para os outros orcs. Dois orcs, ainda fugiram. O elfo negro não acreditava e não entendia o que tinha acontecido. Ofegante, o olhei e falei: Barak Uldur. Ele me olhou e, por um breve momento, pude ver um sorriso de felicidade no seu rosto. Ele ergueu sua arma e berrou. Depois, saiu correndo.

Às vezes, durante à noite, fico imaginando se ele não irá aparecer. Com uma faca na minha garganta por ter desgraçado sua vida e se tornado um poscrito ao me defender, ou como um velho amigo. Um dia descobrirei, da pior ou da melhor maneira possível.

Goliath Whalietric, O Ressurgido

terça-feira, 5 de setembro de 2006

Uma das mais estranhas e indisserníveis sensações que já experimentei foi a estranha presença da morte.

É um desespero marcado pela busca da superação. Um gosto esquisito, uma fatia do terror que acaba incrustada no peito. Uma dor constante. Um veneno que corrompe, faz perder a razão.

Eu não quero dizer que ela é má. Não é isso. É como tentar explicar para uma criança que ela não pode mais ficar com o bico. É surreal. Rasga os tecidos tênues de razão que embasam o nosso comportamento.

Ainda assim, fiquei impressionado com que frieza eu conversei com médicos, enfermeiros, funcionários. E mais impressionado ainda com a frieza deles.

Ainda não foi dessa vez. Graças ao Grande Irmão, o Magrão e os outros seres iluminados que tive a honra e o privilégio de ter a ajuda sempre próxima e presente em todos os momentos.

Fica aqui o meu sincero agradecimento, o qual um dia espero fervorosamente retribuir, seja aqui ou em outra vida.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

AKHLOT - A História de Finli

Era um dia muito frio nas montanhas de Akhlot.
Na sua grande maioria, todos os dias eram assim. Mas no verão, as flores tomavam as colinas que se tornavam uma espécie de mosaico colorido de padrão incerto, mas de uma beleza ímpar para aqueles que habitavam Akhlot.
O trabalho era duro mesmo nos dias frios. Era necessário sempre sair em busca de carne, pois o apetite dos moradores de Akhlot não era dos menores. E era Finli o caçador escolhido daquela dia.
Em seu auxílio, seu primo Bhandir saiu com ele em busca da carne de javali branco, a mais saborosa, e que Finli jurou aos seus entes queridos conseguir.
– Bah! Maldito seja você e sua família, Finli, filho de Manthir!
– Você é sangue do meu sangue, Bhandir, filho de Ursal. Porque me afronta desta maneira? – respondeu Finli com um riso sarcástico estampado no seu rosto.
– Zombeteiro de uma figa! Me tirar do lado de minha querida Ulin para buscar carne.
– Você se ofereceu primo, lembra? – retrucou Finli.
– Você sabe porque me ofereci. Eu lhe devo.
– Então porque ainda estamos discutindo?
Bhandir parou então de resmungar e, no instante seguinte, não bastasse a neve que se abatia sobre Ahklot, um forte vento começou a açoitá-los.
– Brunhilda, A Senhora Gelada, decidiu soprar logo agora... Somos azarados, primo! – gritou Bhandir.
Finli então parou e ergueu os olhos tentando enxergar os mais longe que podia. O vento cortava os olhos e o rosto, mas Finli estava decidido a desafiar o sopro da Senhora Gelada.
– Pois saiba primo, que eu não concordo com o que me diz. Eu acho que seu sopro é um desafio. Um chamado. Uma tentativa de chamar a atenção daqueles que a veneram com fervor. Acho que ela quer que a encontremos. Acho que ela quer que seus filhos vão de encontro ao Norte, ter para com as pessoas altas. Ensinar e aprender com elas.
– Devaneios! Bah, eu adeio seus devaneios primo! Do jeito que gritamos para Brunhilda os javalis já devem ter fugido! – disse Bhandir dando as costas para Finli.
– Eu já tenho tudo planejado primo! Em menos de um mês você saberá tudo! – disse Finli enigmático.
Bhandir sabia o que seu primo queria dizer. E, no fundo, homens de Akhlot, ou de qualquer lugar, da espécie deles, não tentaria abraçar o primo mais velho que muito lhe ensinou. Não tentaria evitar que partisse, por mais que lhe doesse o coração. Pois mesmo com todo este sentimento, Bhandir sempre soube que Finli se aventuraria fora dos domínios de Ahklot. E agora, isso estava tão perto, que a dor e a raiva que lhe permeavam a alma e o corpo eram grandes demais para serem revelados.
FIM DA PARTE 1

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Do RPG ao assassinato

Sei que ainda vou presenciar esta cena:
Menino entra em casa correndo para o quarto com um livro na mão.
Infelizmente, ele não fora rápido suficiente. Sua mãe provavelmente percebera que ele carregava nada mais, nada menos que um famigerado LIVRO DE RPG.
- AAAAAAAAHHHHHHH! LARGA essa porcaria! LARGA AGORA! O QUE OS VIZINHOS VÃO PENSAR?! FOI PRA ISSO QUE EU TE DEI EDUCAÇÃO?! - Berra a mãe totalmente ensadecida e desvairada.

O menino corre para abrir o cadeado do báu embaixo da cama. As mãos suadas e trêmulas não ajudam muito.
- Não esse... Não esse... - Balbucia o garoto em frenesi. - Eu nem li ainda... Esse tem as metas que o meu Nosferatu precisa... Ela não pode... Não pode...

De repente, a mãe chuta a porta e a arromba. O garoto está deitado ao lado da cama. Claramente, ele tenta um teste de Dissumulação. Com um olhar de lince ela vai direto para os bolsos do garoto:
- Onde estão? Onde estão? Me dá! Eu quero agora e quero todos!
- Eu não tenho mais nenhum, já disse! Tu levou tudo! Tu não me deixou nem um d4! Me levou todos d6 e d10! Ah, Não enche!
- Olha aqui... - A mãe fala com o o seu rosto próximo do rosto do garoto. A distância mínima é regulamentada pelo dedo em riste dela entre as duas faces - Se tu não me der eu não deixo tu ir mais naquele antro de doentes... Nem mais um passo dentro da livraria.

O garoto esperava aquele momento. Ela estava jogando pesado. Mas não era páreo para ele, pensava a mente maquiávelica do garoto. Ele tinha uma cartada digna de um Antediluviano. Uma mágica que iludiria a pobre mortal. A vantagem "Difícil de Matar". A sua Vorpal. Ele decidiu dar a sua cartada. Ele baixou os olhos e disse.
- Eu vou te mostrar o que eu tava carregando... - ele fez um movimento lento até o seu travesseiro. Ele não tirava os olhos da mãe. Um movimento em falso e tudo poderia estar perdido. Na sua cabeça, ele jogava 10 d10, que representavam sua desteza + a sua furtividade. Ele enfiou a mão embaixo do travesseiro e tirou um saco transparente cheio de um pó branco:
- Tá aqui! Tá aqui! - berrava ele (jogando contra o seu nível de Atuação). Um choro compulsivo brotava de dentro dele. Era um sucesso decisivo, tinha certeza. - É com isto que eu to metido agora! DROGA!
A mãe pára e quase dá uma cambalhota para trás, tamanha parecia ser a sua surpresa. O garoto achava que aquilo, no mínmo, valia um teste contra DX-4 que é o padrão, já que ela não tem Acrobacia. Mas achou melhor deixar pra lá.

A reação de sua mãe agora decidiria tudo. Talvez o susto tivesse sido muito para o seu coração frágil. Ele sentia os olhos sádicos do seu Game Master olhando para a sua face assustada. Uma falha crítica. Só podia ser. Ele já imaginava as manchetes:
"MÃE DE RPGISTA MORTA:

Garoto acusado de tê-la sufocado com 1 d100 e um saco Família de M&M's. O delegado não descarta a possibilidade de uso de um Mangual. O delegado disse aos jornalistas que "é uma perícia difícil e eu acho que os níveis de DX e ST do garoto não eram tão altos assim. Agora, tenho que confessar que o seu IQ pode até mesmo ter gerado novas habilidades com a permissão do GM". Estudiosos da conduta de assasssinos RPGistas descartaram a possibilidade do uso de Demolição Subaquática e Gancho Celeste".

Ele não escaparia. Ele seria pêgo. E então, eles se levantariam. Milhares de RPGistas, de todos lugares do mundo. Eles estariam lá com os seus Shields em punho e gritariam "MAIS XP! MAIS XP!". Enfim, todos estariam unidos.
Aproveitando o tempo livre que teria na cadeia, ele criaria o seu próprio sistema. Finalmente! O sistema perfeito. Simples, mas ao mesmo tempo profundo e complexo. A interpretação em primeiro lugar. Tudo seria recompensado com pontos de experência. E tudo isso com apenas 2 atributos e 1 d6. Seria a consagração.

O devaneio então se acaba, com o grito estridente da mãe logo a frente. Era um grito de alegria.
- VIVA! Finalmente tu fez algo direito menino! Virou viciado em cocaína. E eu pensando que tu tava envolvido com aquela coisa do Satanás... Aquele tal de RPG...
A mãe sai saltitando pelo quarto, feliz da vida.
- Ah, o meu filhão. Viciado. Que nem a Mel na novela! Filhão, agora tu vai ficar famoso! Vou contar pras minha amigas que tu te indireitou!

O garoto olha perplexo para o saco cheio de giz branco que tinha esmagado no colégio. Estava atônito. Depois de uns 5 minutos, ele olhou para cima e gritou:
- SEU GRANDISSÍMO FILHO DE UMA PUTA! Deixa EU fazer o teste da próxima vez! Aí quero ver... - e ficou bradando por pelo menos meia hora.

Ao que se sabe, o GM não abriu nenhum vórtex ou usou de uma Grande Pedra para resolver a discussão. Então, o jogo continua...

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Destino - 2ª parte

Cheguei na entrada da garagem. A chuva era forte e atrapalhava até a visão. A entrada da garagem era uma porta de correr bem grande e pesada. Não seria muito fácil entrar ali. Decidi fazer dar uma volta em torno da construção para ver se conseguia descobrir outra entrada.

Acabei encontrando uma clarabóia. Dava para uma pessoa passar ali. Só tinha que abri-la. Eu sabia que como um bom policial não era certo o que eu estava fazendo. Isto era invasão de privacidade e agora, era também um vidro de janela quebrado. Apoiei o casaco na janela e empurrei a clarabóia na esperança de que eu conseguisse fazer com que ela abrisse. O resultado foi péssimo e eu quase me cortei. Além do mais, a minha esperteza devia ter alertado quem quer estivesse ali dentro.

Passei pela clarabóia e pisei no chão, em um monte de cacos de vidro, anunciando minha chegada. Molhado e cansado, cheguei a pensar em desistir. Afinal, o máximo que conseguiria seria uma pela suspensão, já que eu seguia os malditos conselhos daquele velho maluco e invadia uma casa. Contudo, já que eu estava ali mesmo, era melhor dar uma olhada. Enquanto me recriminava em pensamento e pensava na grande estupidez que estava fazendo, tentava encontrar a lanterna no meu casaco.

Finalmente, acendi a pequena lanterna a tempo o suficiente para gritar com o que os meu olhos viam. Uma criatura imensa se esgueirava em uma parede onde vários corpos humanos ficavam pendurados. Seu vício ou sua fome parecia ser tão grande, que ela sequer temia pela minha entrada no seu covil. O meu grito acabou alertando o meu algoz que enfim se voltava para mim com olhos esbugalhados e injetados de sangue. Ele veio em minha direção e, apesar do seu tamanho, muito mais rápida do que esperava. A lanterna acabou caindo no chão, mas continuou iluminando na direção do monstro. Instintivamente rolei no chão para minha esquerda, achando que ficando longe dos seus braços longos teria mais chance de reagir.

Ledo engano.

Um outro braço ou pata sai de um lugar errado, pelo menos para mim, acostumado a anatomia humana. A pata do animal agarrou a minha perna enquanto eu procurava desesperadamente a minha arma no meu casaco. A criatura continuou vindo por cima do meu corpo. Eu agora sentia uma cheiro nauseabundo de carne podre que enchia as minhas narinas. Ao invés de vomitar, o cheiro me entorpecia, me calava a boca e derrubava as minhas forças. Era como se a mão da morte chegasse, com toda crueldade do seu mais sincero arauto.

Então, quando achava que era o meu derradeiro suspiro, encontrei alguma coisa no meu casaco. Um pacote. Não era a arma que tanto precisava. Era uma pacote com luvas. Desesperado, minha mão foi se enfiando no pacote e, inesperadamente, a criatura urrou. Um grito inumano, mas claramente de dor. Ela pulou para longe e, agora, parecia menor. Eu olhei para a minha mão e senti que agora eu vestia uma das luvas. Olhei para o monstro e vi que ele tinha sido queimado... pela minha mão! A mão que usava a luva. Sem pensar, procurei desesperado pela outra luva enquanto o demônio se contorcia de dor. Vesti a outra luva e então, uma mudança subitamente aconteceu. Eu senti como se minhas mãos queimassem. Eu parecia possuir o calor do próprio Sol dentro de mim. Após este momento estranho, abri os olhos e olhei para minhas mãos. No lugar das luvas, eu agora possuía manoplas de metal. Elas brilhavam, como se estivessem vivas. Um brilho dourado, pulsante.

Fui até o animal que, a partir do momento que viu as manoplas, parecia reconhecer no meu ser o seu pior pesadelo. Me aproximei mais, e ao ver aquela enorme criatura amedrontada, confesso que me senti quase enebriado pelo poder que eu agora possuía. Até que, perplexo, olhei para o rosto do monstro e o que vi me deixou ainda mais chocado. A criatura era um ser humano. Deformado, mal tratado e transformado por algum tipo de arte maléfica que fugiu a minha capacidade de raciocínio.

Sem dizer sequer uma palavra eu entendia o que aquele ser queria. Ergui minhas mãos sobre sua cabeça e disse:
– Sei que isso não é suficiente, mas é tudo que posso te dar. Que Deus o leve para perto dele... Que esta seja a sua redenção.
As palavras que eu disse eu não conhecia. Nunca fui religioso e posso dizer hoje que aquele que falara tal coisa naquela época certamente não era eu.

Minhas mãos finalmente tocaram a criatura e uma luz enorme se formou ao nosso redor. E então, ele sumiu. Sobrou muito pouco além de cinzas espalhadas pelo chão. Minhas manoplas tinham apagado seu brilho, e voltaram a ser apenas luvas. Tentei tirá-las, mas não consegui. Nunca poderei tirá-las.

Saí de lá confuso e fui para casa exausto. Olhei ao redor e a chuva havia parado. Estava claro que o velho tinha me dado uma missão. Uma missão maior do que qualquer coisa que eu havia sequer imaginado. Eu era algo diferente agora. Uma força inexplicável que caminhava sobre a Terra. Eu ainda sou algo que tento entender dia após dia e luto para manter minha sanidade com tamanha confusão que tem se tornado a minha mente. Sou um escolhido. Sou o Redentor.

quinta-feira, 29 de junho de 2006

Destino - Parte 1 -

– Obrigado – eu disse.
Ela trouxe o café e as torradas ainda quentes.
“Ainda bem”, pensei comigo, enquanto tirava as luvas para comer. Mas eu não conseguia ficar a vontade. A lancheira ficava perto demais do departamento da polícia técnica. Mais precisamente, de frente para o departamento do médico legista. Eu odiava aquele lugar. Era frio e úmido. Pouco hospitaleiro. Contudo, eu precisava estar ali. Era o meu dever. Por mais que quisesse largar tudo.

Paguei a conta e fui até a rua. Ainda não entendia exatamente como as coisas tinhas acontecido. Eu olhava para o alto, para lados, como se procurasse uma resposta. Ele não podia ter feito o que queria sozinho. Ele não conseguiria. É humanamente impossível.

Fui até o carro e procurei a pasta da investigação. Olhei novamente as fotos da cena do crime. Não havia sobrado muito da moça, mas pelo menos, os pedaços ainda estavam perto. E eu que pensei que de barriga cheia conseguiria olhar essas fotos de novo. Eu olhava e analisava e não conseguia imaginar como alguém sozinho teria feito aquilo. O corpo da moça estava completamente dilacerado.

O que me deixava mais intrigado é que não havia nenhum sinal de cortes, talhos, nada. Era como se tudo nela tivesse sido arrancado, sabe-se lá como. Era assustador.

Finalmente, o legista me bipava. Fui até ele para descobrir o que eu já sabia. Não havia nenhum sinal de corda ou cabos ou qualquer coisa parecida onde ela teve os membros e o resto do corpo arrancados. O mais estranho é que todas as partes do corpo que foram arrancadas não tinha nenhuma gota de sangue.

– Isto não deveria ser normal? Afinal, o sangue que tinha neles escorreu... Não?
– A coisa não funciona bem assim... – disse o médico – É claro que o sangue deveria sair, mas deveria haver resquícios dele. Não há sequer vestígio de que tenha havido sangue naqueles tecidos, está me entendendo? Isso, não é possível.

Fui embora com o relatório do médico embaixo do braço. Abri o carro e olhei para o meu distintivo colocado sobre o banco. “O que isso está fazendo aqui? Devia estar no meu bolso...” Liguei o carro e segui para casa.

Fui devagar e, depois de mais ou menos 1 km, vi um homem parado na no meio da rua pedindo ajuda. Encostei o carro, mas deixei o revólver no bolso.
– Ainda bem – disse ele – com essa chuva toda, achei que ninguém mais passaria por aqui.
Olhei o homem de cima a baixo. Era um senhor aparentando ter certa idade. Pelo menos uns 60 anos. Parecia bastante saudável.
– O que o senhor precisa?
– Apenas de uma carona, se for possível. – respondeu.

Decidi dar a carona. Ele entrou no carro e começamos a conversar sobre amenidades. O meu distintivo caiu do bolso e ele o juntou.
– Ora, estou muito bem acompanhado. Um policial. E investigador.
O cansaço e a minha visita ao legista já estragavam o meu humor a muito tempo naquele dia e a conversa do carona não me ajudava muito. Sorri amarelo enquanto pegava o distintivo e joguei no painel do carro.
– A quanto tempo você pensa em deixar de ser policial? – disse o velho.
Olhei um pouco surpreso para ele. Afinal, como ele podia saber daquilo? Respondi, a contragosto.
– Já faz algum tempo. Mas isso não importa – finalizei, tentando encerrar de vez a conversa.
– Eu tenho experiência e posso lhe dizer uma coisa: simplesmente não é possível tentar enganar o destino. Às vezes, não temos escolhas. Alguns poucos de nós, têm uma missão a cumprir e não importa que caminho escolher, você nunca vai se desvencilhar dele: o destino. Tanto que, se você começar a prestar mais atenção, você sempre fica com os casos mais difíceis, não é? Como o desta moça, por exemplo.

Fiquei olhando o velho e quase me desconcentrei do volante. Que história era essa? Do que ele estava falando, afinal? como ele sabia do caso que eu estava investigando?

– Bem, eu desço aqui – disse ele, antes que pudesse fazer qualquer pergunta.
Ele desceu do carro. Fez a volta e foi até a minha janela, já todo molhado pela chuva.
– A propósito... Eu espero que não tenha medo de demônios. Foi um tipo Mundif que fez isso na garota. Eles adoram sangue. Você vai encontrá-lo dentro daquela garagem. Ah, antes que eu me esqueça... Isso é para você. Me mandaram entregar.

Assustado com tudo que aquele louco me dizia, saquei a arma e enfiei no pescoço dele.

– Quem mandou você aqui e porque? – disse com raiva na voz.
Ele riu, e disse:
– Ora garoto, se eu quisesse matar você já teria feito isso, não acha? Pegue, é um presente... Confie no destino.

Ele jogou o pacote no meu colo. Olhei para o pacote agora nas minhas pernas. Quando voltei a olhar para o velho, ele já havia sumido.

Fiquei um tempo ali parado, um pouco zonzo com toda aquela conversa. Demônios? Que maluquice era aquela? Me lembrei então do pacote e decidi ver o que havia dentro. Era uma espécie de luvas muito antigas. Eram feitas de material esquisito, leve, mas que parecia ser bastante compacto. Tinham uma cor negra, quase como um carvão. Dentro do saco, uma carteira de identidade. Era do velho. O seu nome era Olaf Fergusson.

Tinha como encontrá-lo agora. Mas, a minha curiosidade se aguçou, muito mais pelo o que lel me disse. Eu tinha que ir até a garagem saber o que significava aquela história de Mundif. Botei meu casaco, guardei tudo, peguei a minha arma e fui até lá.

FIM DA PARTE 1

terça-feira, 27 de junho de 2006

O que é que houve?

Finalmente, ele tinha chegado.

- Pôrra, cara! Isso são horas? - resmungou o amigo, que já não agüentava mais esperá-lo na mesa do bar. Já era o terceiro chopp e o terceiro cigarro. Sozinho, este era o seu limite. Claro que enquanto aguardava o amigo, observava pacientemente as belas mulheres que cruzavam por ali. Tinha visto uma dupla que parecia "dar alguma coisa", mas como Sepúlveda não estava lá, certamente as coisas seriam difíceis. Até porque faltaria aquele ar cansado, típico do Sepúlveda, que dava um charme a ele. Não que o Sepúlveda tivesse ganho muitas menininhas com isso, mas servia bem para o Adasmator. Já que o nomes não ajudavam, Adasmator usava aquele jeitão do Sepúl (para os íntimos) como uma bela bengala para sua atuação. Tozinho (como dizia o próprio Adasmator) mostrava-se compadecido do amigo e dava aquela "força". Falava alto, dando a entender que uma grande calamidade tinha acontecido ao amigo. As moças às vezes se assustavam, e outras até acreditavam e acabavam se aproximando de Tozinho e Sepúl. Mas, invariavelmente, acabavam a noite sozinhos. Adasmator já falou bem alto quando Sepúlveda chegou, para alertar as menininhas.

- E então? Quê que houve? - Indagou Tozinho enquanto o Sepúl sentava.
Sepúl sorriu. Um sorriso amarelo, difícil de sair.

- Sabe, essa é a mesma pergunta que eu me faço a anos. Todo dia de manhã, eu acordo e me pergunto: o que é que houve? - Disse o Sepúl olhando para dentro do copo de cerveja.

Tozinho olhou de lado para Sepúl. Que papo era aquele, pensava Tozinho.
- Ô, meu querido (Tozinho sempre dizia isso quando algo não estava do seu agrado), as meninhas vão é fugi com esse papo...

Mas Sepúl estava tão absorto em seus pensamentos que parecia sequer ter ouvido.
- É sempre a mesma coisa. Eu levanto e olho em volta. E aí eu pergunto: o que é que houve? E a resposta eu não escuto. Acho que eu trocaria uma vida inteira para saber o que houve. Se eu pudesse parar o tempo e entender o que houve... Acho que eu não cometeria os mesmo erros. Trocaria uma vida sim, pelas respostas. Disso tenho certeza. E aí na próxima chance que eu tivesse pra viver, eu faria as coisas diferentes. Ah, faria.

Então, Tozinho perguntou:
- E se tu não tivesse feito nada errado? Ahn? Ahn?

- Então, tudo é só tristeza, Adasmator. Só tristeza.

Aquela noite foi a mais estranha de todas que passaram no mesmo bar, na mesma mesa. Acabaram conseguindo o telefone de 2 meninas. Se encontrariam no outro dia.

Mas, para Sepúl, o outro dia nunca veio. Tozinho foi a casa dele e teve que arrombar a porta. Afinal, aquele encontro ele não perdia de jeito nenhum. Se com aquele papo todo o Sepúl tinha ganho as moças, imagina o que viria hoje, pensava ansioso o Tozinho. Encontrou o Sepúl morto.

No enterro, viu que ninguém tinha ido. Só Tozinho estava lá. Pediu ajuda ao pessoal do cemitério para que levassem o caixão. Descobriu no fim, que eles tinham cobrado a viagem. Pelo menos o Sepúl já tinha o jazigo. Tudo pago, limpo e preparado. Ao ver isso, Tozinho deu-se conta: nunca conhecera realmente o Sepúl. Era o único amigo que o Tozinho tinha, que o ouvia sempre. Viu que nunca tinha dado a devida atenção as palavras do amigo e que talvez, aquele jeitão soturno e quieto, tivesse algum motivo. Agora, qualquer que fosse o segredo estava sepultado com o Sepúl. Tozinho tinha perdido o amigo do bar e da paquera. O único amigo que tivera nesta vida inteira. Tozinho percebeu que uma lágrima escorria do seu rosto. Então gritou:

- Pôrra Sepúl! Perdi o encontro! Tudo por tua causa! Me deixasse sozinho! Até sem amigo! Pôrra, Sepúl: o que é que houve? O que é que houve?

E pôs-se a chorar, desbragadamente.

sexta-feira, 23 de junho de 2006

A Linha Direta

Lembro de uma época, não muito distante, em que tinha entrado na faculdade fazia 1 ano máximo. O meu maior martírio era os atrasos. Bom, não posso dizer que me livrei desta faceta tão característica da minha personalidade. Afinal, para quem não sabe, quem se atrasa sistematicamente (não importa porque) nunca, jamais deve admitir que isto é uma falha. Certo, não é também uma honra. Mas sim, apenas mais um reflexo do complexo cristal que nos representa... Um fio na difusa teia da vida de cada um. Usei esta frase uma vez. Durante um tempo, os professores pareciam me evitar... Quem sabe acharam-me estranho? Logo eu...
Bom, os atrasos me atormentavam. E os meus colegas sofriam junto. Não eram poucos os cadernos pedidos emprestados para tirar cópias. Até que, um dia, foi anunciada a minha redenção: estava criada a linha direta. Se preferirem, linha rápida. Meus olhos cintilaram de emoção. Senti uma lágrima de emoção escorrer pelo meu rosto. E, por incrível que pareça, já eram quase 2 horas! Ah, atraso é sempre por incrível que pareça. Eu não esperava me atrasar. Logo, é um feito incrível, ainda que sistemático. É uma filosofia nova, como podem perceber.
Esbaforido e suando como um remador de galé, cheguei ao ponto de ônibus. Era um sortudo: a linha direta passava ali. Vibrei. O ônibus se aproximava trazendo os enormes dizeres: DIRETO.

Sim, o meu sonho se realizava.

Assim que partimos, entendi porque era a linha direta. Não era porque simplesmente o ônibus não parava em alguns pontos, mas sim porque rasgava as entranhas da cidade em velocidades espantosas. Era um bólido, um cometa destroçando o espaço ao seu redor e deixando outros a ver navios com a dita direção defensiva. As velhinhas que sentam à frente brandiam guarda-chuvas a cada passageiro que era deixado para trás nas paradas que não tinham a dádiva de receber o direto. Emocionado, gritei no ônibus:
Aleluia! – levantando do banco com os braços esticados para o teto agradecendo a divina obra de Deus.

Dei-me conta do que fazia e percebi o quanto estava sendo ridículo. Olhei ao redor, temendo ter criado algum culto estranho que adorasse as cordinhas que zumbem no ouvido do motorista ao serem furiosamente puxadas. Eu sei que tem uma campainha. Mas é mais legal pensar que é a cordinha. Surpreso, pude perceber que outros compartilhavam de minha alegria. Por um breve momento, pude ver todos me aplaudindo. Claro, o breve momento se foi da minha mente ensandecida assim que o motorista bruscamente freava, tentando evitar a todo custo um sinal vermelho e uma Brasília azul calcinha, 72. Bem conservada, a danada.
Finalmente, estava salvo dos meus atrasos. Meus deslizes tinham enfim me abandonado. Estava livre da doença do atraso. Foi então que percebi que o mal se agravara. Eu adorava desafiar as relações dimensionais de tempo. Chegava faltando 1 minuto para as 2 horas na parada e entrava na sala de aula dizendo:
– O direto levou 6 minutinhos hoje... E olha que pegamos 4 velhinhos e 12 crianças! – todo orgulhoso...

Foram tempos de velocidade e fúria. Não havia leis que parassem o direto. E, às vezes, nem sinal vermelho. Éramos reis. Nós. Os atrasados.

Hoje, os tempos mudaram. Peguei um direto para perceber que ele para em quase todas paradas. Deve ter sido alguma associação. A ADQNPPODPENPNMPP!Associação Dos Que Não Podem Pegar O Direto Porque Ele Não Para Na Minha Parada, Porra! – provavelmente reclamou. O direto respeita sinais e até as faixas de segurança. Há pardais agora. Malditos pássaros. Cheguei quase 20 minutos depois do que eu esperava. Sai do ônibus, sorumbático.
Quando conto isso para minha afilhada, ela apenas gargalha. Não sei se por causa das caretas que eu faço ou do ermitão que eu pareço quando falo assim. É que hoje tudo é tão rápido... Tão rápido como o direto. O antigo. O verdadeiro símbolo da transiência. A mutabilidade de tudo. E se não saí da frente passo por cima!

Poucos são aqueles que se lembram disso ainda. Nas paradas, cumprimentamo-nos assim, de maneira soturna. Olhamos nos relógios e nos despedimos, afinal, olha a hora, quase 2... Pois é eu também tenho que ir... E olhamos para o direto. Damos meia-volta e, com lágrimas no canto dos olhos, pegamos a lotação.
Mas não perdemos tudo! Não senhor! Mantemos nosso orgulho e nossa luta. Continuamos, todos nós, mais unidos do que nunca, atrasados! Pena que seja tão difícil chegarmos na hora para gente se encontrar...

terça-feira, 13 de junho de 2006

Koyaanisqatsi => life of moral corruption and turmoil

Esta história tem início antes mesmo do meu nascimento. Há muito tempo atrás meus avós foram adquiridos como escravos no reino de Irari. Meu avô era forte, um ser de invejável capacidade física, e minha avó, sábia, muitas vezes procurada para contar sobre as lendas e mitos do meu povo. Certo dia, eles foram capturados em um momento de distração. Meu avô ainda levou 5 dos seus captores com suas garras, mas isso não foi suficiente. Após ameaçarem a vida de minha avó, ele cedeu.

Foram levados então até Irari, uma cidade pútrida, encravada entre duas encostas e manchada pelo sangue dos inocentes e desavisados. Um mercado negro para todos os tipos de mercadorias, inclusive vidas. Lá, governava o senhor negro Etriluon, O Macabro, conhecido por sua astúcia e sua pouco ortodoxa forma de dirigir seu povo: circo para os ricos, morte para os que nada possuem. Rumores insinuam que além de sua verve sanguinária ele fala com mortos e faz com andem e cambaleiem pelos guetos sujos de Irari.

Meus avós por sorte ou não foram comprados por um senhor de lutas, um gladiador, Ungur, A Mão. Lá meu avô fez um acordo com Ungur dizendo que lutaria pela minha mãe, pois ela não era uma lutadora. Ungur aceitou a barganha. Aos poucos meu avô foi ganhando prestígio entre os lutadores e a platéia. Ele conseguiu até mesmo o respeito de Ungur, que o incentivou a morar perto da arena. Contudo, Ungur nunca lhe deu alforria ou permitiu que meu avô comprasse a liberdade dele, da minha avó ou ambos. Na realidade, meu avô sequer imaginava os planos nefastos do homem conhecido pela alcunha de A Mão.

Os anos passaram rápido. Meu avô tornara-se campeão por diversos anos seguidos, permanecendo imbatível ao longo do tempo. Ungur já percebia que apesar do público ainda ser atraído pelo incrível e único homem-gato era necessário que o campeão desse seu lugar a outro. Era necessário que um luta sem precedentes fosse conseguida. Meu avô teve então dois filhos: Amnitsi e Kunimatzi. Meu pai os ensinou de acordo com as nossas tradições. Amnitsi cresceu forte e bonita. Inclusive os macacos a desejavam. Eles a chamavam de mulher-pantera. Kunimatzi cresceu ainda mais forte e com mais vigor que meu próprio avô. Mas sua mente era fraca. Havia um estranho veneno no seu olhar e seus gestos. Bastet reservava um mundo negro para ele. Amnitsi interessava-se pela arte da luta e pela tradição dos Bagheera na mesma proporção. Era delicada e forte. Ungur acompanhava de longe, mas com extremo interesse o crescimento de Amnitsi.

Entretanto, A Mão agarrou primeiro a alma de Kunimatzi. Ele foi iludido com idéias de macacos, idéias de riqueza e poder que nunca interessaram aos Bagheera. Kunimatzi fora iludido Pela Mão. Comprado com os prazeres dos macacos, ele rapidamente tornou-se um joguete nas mãos de Ungur.

Ungur certa vez foi até meu avô e, como seu dono legítimo, exigiu que ele lutasse pelo título de campeão com o seu mais novo gladiador. Meu avô concordou, pois sabia que este era o seu papel. Ele também sabia que seu corpo era já velho e cansado e que não resistiria muito mais. Se fugir era impossível que pelo menos seus filhos garantissem a sobrevivência da sua velha e adorada esposa. Meu avô foi então até sua família, para que pudesse passar uma última noite com eles antes de sua derradeira batalha. Mas naquela mesma noite, Kunimatzi havia saído. Meu avô ficou muito chateado e ainda que não aprovasse o comportamento dele Kuni ainda era seu filho. Jantou com a filha e a esposa e pôs-se, logo depois, a dormir.

Contudo, durante a fria madrugada, um homem encapuzado entrou sorrateiramente na casa. Amnitsi percebeu a presença estranha e rapidamente se levantou para atacá-lo, mas sua força do intruso era descomunal. Sem cerimônia ele acertou o rosto dela deixando-a desnorteada. Enquanto ela tentava se erguer, o monstro penetrou fundo no seu sexo, arrancado um urro de dor de Amnitsi. Abafando seus gritos ele fornicou com ela até cansar-se da brincadeira. Acordado pela bagunça, meu avô pulou em cima do agressor de sua filha com fúria. O agressor o arremessou longe contra a parede da casa, mas meu avô arrancou-lhe o disfarce. O horror então tomou conta de meu avô ao vislumbrar a face Kunimatzi. Um misto de ódio e nojo se apossou de meu avô. Kuni correu em direção a arena e meu avô o seguiu.

Ao entrar no recinto as tochas foram acesas e A Mão e O Macabro sorriram do alto do seu púlpito. O estratagema tinha dado certo. Ungur apresentou então ao meu avô ainda perplexo seu mais novo gladiador: Kuni. Enfurecido, meu avô pulou sobre Kuni sem piedade. Mesmo assim, Kuni se desvencilhou com a força superior que possuía. Tomado pelo ódio, meu avô jogou-se diretamente na garganta de Kuni, tentando arrancar-lhe o pescoço. Kuni reagiu conforme meu avô lhe ensinara: em um golpe rápido, arrancou-lhe a garganta. Etriluon sorria. Seu intuito parecia ter sido alcançado. Enquanto isso, Ungur apresentava um semblante estranhamente desconfortável. Etriluon então proclamara um novo campeão: Kunimatzi. Kunimatzi vibrava, pois alcançara seu sonho. A platéia urrava de prazer.

Infelizmente para ele, o sonho transformou-se em pesadelo em poucos segundos. Uma lança era enfiada com fúria contra o seu corpo. Amnitsi vingava-se agora do seu irmão, sangue do seu sangue. Aliada a outros gladiadores, enfurecidos com a traição de Ungur e com a morte do meu avô respeitado como campeão, um incêndio foi iniciado na arena. O Macabro viu guardas mortos sendo atirados por sobre o muro da platéia e Ungur fugiu desesperado.

Etriluon sumiu rapidamente. Ninguém percebeu ou imaginou como. Amnitsi correu para junto do corpo do seu pai, se esvaindo em lágrimas sem entender porque tudo isso ocorreu. Os gladiadores ainda retiraram a força o corpo do meu avô e Amnitsi da arena antes que tudo desmoronasse. Agarrada a ele, Amnitsi chorava copiosamente.

Não havia mais nada ali. Não havia mais o jugo de Ungur sobre os Bagheera desgarrados. Gladiadores, Amnitsi e minha avó fugiram para as montanhas a leste tentando ultrapassá-las. O conhecimento de sobrevivência de minha avó salvara a todos. Mais tarde, no alto da Montanha Verde, viu-se uma pira ofuscada pelo incêndio da Grande arena de Irari. O corpo de meu avô fora na montanha cremado. Dizem que a Grande Arena ao raiar do dia já havia desmoronado restando apenas cinzas. Nenhum corpo fora encontrado naquele local. A Montanha do Fogo, como agora é conhecida a Montanha Verde, permaneceu com sua a pira acesa durante 7 noites.

A fuga levou as duas filhas de Bastet para uma cidade pequena de um amigo gladiador. Lá elas ficaram escondidas e, aos poucos foram se recuperando da triste tragédia. Um mês após o ocorrido, Amnitsi contou aos prantos que carregava o Filho do Monstro dentro si: estava grávida. Ela pegou uma faca e antes que pudesse dar cabo da própria vida e da do bebê, minha avó segurou sua mão. Ela então lhe disse que a obrigação dela era agora mostrar que O Monstro poderia ter gerado vida dentro dela com o seu ato vil e cruel, mas que a vida possuía o sangue Bagheera e que ele seria mais forte que o desejo incutido em Kunimatzi pelos macacos.

Então eu nasci. Minha mãe permitiu minha chegada até Gaia. Em Gaia, conheci minha avó que me ensinou tudo sobre os ventos, a chuva, a visão e o contato com os espíritos e a magia Bagheera. Minha mãe, Amnitsi nunca me rejeitara. Desde o princípio ela me contou tudo e me explicou que eu deveria ser a antítese de tudo que meu pai foi. Ela foi carinhosa e mesmo com o ódio que forjou a ferro e fogo seu coração, ela não tinha receio de me amar. Quando finalmente entendi tudo que minhas fundamentais tutoras me ensinavam chorei por um dia inteiro. Enlouquecido, fui até a Montanha do Fogo. Lá encontrei o espírito do meu avô que abençoou minha alma. Ele me explicou que eu não tinha culpa do passado e que a justiça viria se assim eu quisesse.

Voltei e abracei minhas tutoras com amor. Eu finalmente me sentia livre do sangue odioso do meu pai. No dia seguinte minha avó sumira. Seu corpo fora encontrado em chamas, no mesmo local que meu avô fora cremado. Ela havia deixado um triste bilhete dizendo que sua missão estava cumprida e que agora ela iria em paz. Nesta vida cruel que minha mãe teve, chorei abraçado a ela, mais uma vez.

Minha mãe me ensinou tudo que meu avô lhe ensinara. Hoje volto a Irari para encontrar meu destino: vou me tornar gladiador. Dizem que um velho recruta lá. Tomara que ele seja Ungur. Depois, cuspirei sobre a cabeça decepada dO Macabro. E então, farei o ritual de conclamação das almas perdidas e vingarei a honra de minha mãe e meus avós enfrentando o espírito maligno de meu pai.

Pedidos

Bom, ainda que o momento seja pra lá de complexo, to publicando a origem do Koyaniskatzi, devido ao inúmeros pedidos recebidos...

Desde já agradeço a todos pela força.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Tempo estranho

São 7 h e 15 min.
Estava estranhamente sem sono. Abriu as cortinas.
Ele andou até a sacada com o cigarro na mão. Olhou para céu e viu que estava nublado.
"Mais um dia..." Ele pensou.
Apagou o cigarro, jogando-o sobre o parapeito da sacada. Fechou a janela e tornou a deitar.

Acordou novamente.
Pegou o relógio e viu que já era 15 para o meio-dia.
Levantou ainda sonolento e foi novamente até a sacada. Continuava nublado.
"Tudo igual... Tudo igual..." balbuciou olhando para os prédios ao longe.
Havia uma amargura no seu olhar. Não gostava do seu trabalho. Não gostava da dificuldade que tinha para conseguir toda e qualquer coisa. Não gostava de como as coisas estavam. Mas, ao mesmo tempo, não parecia se importar muito. Pelo menos, não com ele mesmo. Existiam outras pessoas.

Ele se importava muito mais com elas. Era preciso estar ali, por elas. Seus idosos pais, o irmão desajustado, a irmã solteirona e carente, seu avô com efisema. Eles dependiam do dinheiro dele, do seu apoio, das soluções. Na realidade, ele sabia que não era tão importante assim. Contudo, o único modo de ele continuar vivendo era acreditar nisso.

No trabalho, se sentia só. Às vezes, as pessoas falavam com ele. Xingando-o na maioria das vezes. Também, poucas coisas ele fazia certo.

Ele também desconhecia o significado da palavra amor. Pouco amou. Aliás, amou muito, mas nunca foi retribuído.

Não gostava de si memo. Era baixo, magro e fraco. Lembrava mais um rato.

Mas naquela manhã nem tudo estava igual, como ele pensava.
Ele ouviu a campainha tocar. Foi até a porta e espiou pelo olho mágico. Seus olhos encontraram um homem gordo, de aspecto bonachão, com uma pequena valise. Ele então abriu a porta:
- Sim? - disse ele.
- Ah... Sim! Que bom que está em casa... Posso entrar? - perguntou o homem gordo.
- Não. - respondeu ele secamente. - O que o senhor deseja?
- Acabar com este seu sofrimento.
Ele ficou atônito. Não esperava esta resposta. Em uma reação quase inconsciente, já tinha escancarado a porta.

O homem entrou, sentado-se, sem cerimônia.
- Lhe proponho uma viagem. Você está fora do seu tempo. - falou o homem gordo com um sorriso.
- Eu não posso viajar agora. Para onde eu iria?
- Você não entendeu. Quero que viaje no tempo. Você vai e poderá voltar no exato instante em que disser que aceita. Tudo que precisa é assinar este papel. - diz o homem gordo, tirando de sua valise uma espécie de contrato.
- Espera aí... Quanto isso vai me custar? - disse ele desconfiado.
- Você está falando de dinheiro? Nada! Meu objetivo é tornar as pessoas felizes.
- Ninguém vai notar ou sentir minha falta? Não vou perder tempo algum e ainda viajar?
- Isso. - diz o homem gordo.
- Que espécie de brincadeira é essa? Eu não acredito.
- Pois então veja com seus próprios olhos.

Ao dizer isso o homem o leva para diversos lugares, como se assistissem um filme. Pré-história, renascimento, a bomba de Hiroshima.
Ele ficou extasiado.
- Como fez isso? - diz ele olhando no relógio - Ainda é 10 para o meio-dia! Como fez isso?
- Simples. É segredo.
- Eu posso voltar a hora que eu quiser e ver todos? Não tem nenhum problema?
- Sim e não. - fala o homem com um largo sorriso, sentindo que já tinha alcançado seu objetivo.
- Onde eu assino?
- Aqui. - aponta o homem gordo.
Ele assina. Sem ao menos ler.
- Pronto, eu aceito viajar.
- Então vamos!
Ao dizer isso o homem e seu amigo gordo saíram a viajar pelo tempo. Foram para inúmeros lugares e tempos. Ele viu coisas que nehum humano sonharia ver. Ele entendeu o Universo e a natureza das coisas. Ele viu reis e rainhas. Seres mitológicos e fatos históricos de grande relevância.

Finalmente, ele disse:
- Está na hora de voltar.
O homem o olhou sério.
- Que assim seja.
Eles voltaram. Estranhamente, sua casa estava diferente. Seus pais estavam sentados em um sofá na sala, assistindo uma TV.
- Pai! Mãe! - Ele correu em direção a eles tentando abraçá-los, mas ele acabou atravessando seus corpos.
Ele se voltou com um olhar indignado para o homem gordo.
- Eu disse que eles não sentiriam sua falta. - fala calmante o homem gordo, sem sorrir.

Ele vai até o homem gordo e o encara de forma firme.
- O que você fez comigo?! - disse ele aos brados.
- O que você fez a si mesmo seria a pergunta mais adequada. Você morreu. A muito tempo. Você se matou. Ainda que você não lembre mais, em algum momento do seu tempo aqui, você se matou. Você não queria viver. Achava que sua vida era um fardo pesado demais. Você odiava tudo que fazia. Ainda quando estava vivo, você já estava morto. Não percebe? Você nunca quis estar aqui.

Ele ficou olhando para o homem gordo. Um choro compulsivo, brotou de seu corpo. Ele ficou ali chorando, sabe-se lá quanto tempo.
Quando, por um breve momento, parou de soluçar, o homem gordo ainda estava ali.
- O que acontece agora? - disse ele, em um tom choroso.
O homem gordo suspirou fundo:
- Você vai aprender tudo de novo. Vai tentar buscar vida outra vez. Tentar encontrar algo que o faça querer viver de novo.
- Você é o diabo? É isso não?

O homem gordo agora sorriu, mas de uma maneira cândida:
- Me chame do que quiser. Eu o ajudarei. Até você poder se virar sozinho.
- Vou para o inferno?
- Você ainda não entendeu, não é? Que inferno maior você quer do que fazer sofrer a si próprio? Preste mais atenção. Agora vamos. Temos muito que fazer.

Ambos se dirigem até a porta. Ele pergunta:
- Nunca mais vou vê-los, não é?
O homem gordo assenta com a cabeça, confirmando a suspeita dele.
- Então vamos.
E os dois somem em uma luz de brilho indescritível.

Em um cemitério, está escrito em uma lápide:
"Dedicado àquele que tanto cuidou de todos nós. Desculpe por termos esquecido de você, que sempre fez por nós".

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Vida e chá

- Oi.
Ela sequer levantou os olhos. Estava lendo aquele romance. Mas eu tinha que perguntar.
- Sabe, hoje antes de eu vir para cá?
- Ainda não sei, mas tenho certeza que vai acabar me dizendo - disse ela secamente.
- Pois é... Eu tive uma conversa longa com os meus alunos. Eu estava acabando a aula e aí um dos eles falava que adorava olhar para o céu e imaginar que não estava sozinho. Sabe, existem mihlares de estrelas por aí e as possibilidades são infinitas!
- Sei. Você não vai parar não é? - retrucou ela de novo.
- Não - respondi sorrindo.

Ela fechou o livro abruptamente e me olhou. Eu continuei.
- Então... Você tem que concordar comigo. Existem milhares de planetas por aí e não é possível que estejamos completamente sozinhos e abandonados! Deve outros seres por aí! O que será que eles estão pensando? Será que eles tomam chá como a gente? Será...
- Pára. Agora.
- Mas não é difícil de imaginar, é fácil se você tentar!
- Não. É impossível. E eu não quero mais ouvir esta ladainha.
- Olha. Você tem que...
- Eu não tenho nada! Eu estudei muito para chegar até aqui. E já conversamos sobre isso antes e você sabe exatamente a minha posição! Porque você insite nisso? - ela respondeu com veêmencia enquanto servia o chá. Ela não estava brava, apenas irritada porque eu continuava insistindo.

Eu fiquei calado então. Ela me olhou, respirou fundo e disse:
- Ok. Ok. Qual a irrefutável prova científica você traz para esta cientista hoje?
Eu sorri.
- Certo. Olha eu andei lendo um estudo sobre como é possível provar matematicamente que o universo deve possuir vida em outros locais.
- Espera. Eu não discuto a existência de vida. Somente que ela exista exatamente como a gente ou no mesmo nível que agente, isto é, tecnologicamente falando.
- É um trabalho de um tal Jacobsen que...
Ela comeceu a se irritar de novo.
- O trabalho de Jacobsen já tem mais de vinte anos! Você não pode se apoiar nele! O trabalho de Bactharaya é muito mais recente e mostra que os argumento de Jacobsen estão um pouco equivocados.
- Mas... Ele mostrou a probabilidade de existência de vida!
- Só que ele usou idéias muito gerais e você não pode ser geral neste caso! Além disso, ele não levou em consideração coisas básicas como a gravidade. Claro que é um trabalho de valor extremamente importante, uma vez que ele iniciou a idéia de vida, mas ele estava errado quanto...
- Não pode ser. Eu não admito.

Ela ficou me olhando parada enquanto eu via que ela certamente tinha se irritado. E eu adorava isso.
- Olha aqui poeta: se nossas discussões são pra chegar neste ponto, eu não quero discutir mais nada com você! Seu... ignorante!
Ela começou a juntar as suas coisas e botar na mochila. Acho que exagerei.
- Não, espera. Imagina pelo menos se eles forem diferentes de nós!
- Agora chega, eu vou embora.
Fui atrás dela o mais rápido que podia. Ela se arrastava rápido até mesmo pra mim.
- Já imaginou se eles tiverem dois olhos ao invés de um? Hein? Vamos! Pense nas possibilidades! As diferenças! Vamos, você tem que admitir!

Cara, essa ía ser uma noite daquelas!

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Eu vi

Pode parecer estranho, mas, eu juro, é a mais pura verdade.

Eu estava sentado enquanto esperava o ônibus. Havia uma garotinha loira com um pedaço de vassoura na mão, provavelmente usado para se defender. Ela parecia uma menina de rua pelas roupas pobres que usava. Tinha até um ar angelical demais, sabe, aquele tipo de pessoa que você acha que não devia estar ali. Ela ficava circulando entre o pessoal que aguardava o ônibus.

Já era tarde eu estava cansado demais para ir pra casa a pé. Olhei em volta e percebi que éramos apenas 6, 5 aguardando o ônibus e a menina de rua. Eu estava com olhar turvo de tanto cansaço. Sentado, eu tentava não dormir e ficar atento. Tinha 3 caras uns 3 metros a minha frente, uma garota, muito bonita e um cara sentado no meu lado esquerdo, distando pelo menos uns 5 metros de mim.

Os rapazes conversavam animadamente sobre rock segundo minha audição extremamente prejudicada pelo cansaço podia distinguir. A jovem bonita era uma morena bem alta e tinha um ar cansado. Segurava muitos livros e parecia triste, sei lá porque. A garotinha loira passou a correr em volta do pessoal, acho que brincando. Eu olhei para esquerda e o cara sentado parecia que estava usando uma capa-de-chuva cinza, mas eu não tenho certeza. Claro que eu pensei, "pô, o cara tá com uma capa de chuva, nesse calor, só pode ser doido! A única coisa que me preocupa é pra quê o capuz?". Ainda assim, não me importei de ficar por ali ao lado dele. Aliás, acho que se caísse uma bomba naquela hora eu não me importaria também. Eu me recostei no banco e devo ter cochilado.

De repente, senti um calafrio, uma espécie de vento frio, sabe, aquele que arrepia a alma? Pois é, acabei abrindo os olhos, olhando ao redor e passando os braços em volta do próprio corpo para me proteger do frio. Aí eu olhei e os 3 caras estavam atacando a moça! Eles pegaram e atacaram ela, assim, do nada! Aí, enquanto os 3 mantinham ela quieta no chão, a garotinha "angelical" começou a dar pauladas nela com o pedaço de vassoura. Aquilo me acordou! Dei um pulo! Fiquei olhando aquela cena e pensei "Meu Deus, eu não posso fazer nada!", então eu olhei para o lado para pedir ajuda pro cara que estava sentado a minha esquerda e ele não tava mais lá. Olhei de novo pra moça que já tinha tido a roupa quase toda rasgada, e de repente, tava lá o cara de capa! Ele chutou um dos caras e jogou os outros dois pro meio da rua. Restava a garotinha loira que parecia não estar nem aí pro que tava acontecendo. A garotinha loira parou e, de repente, voou pra cima do cara de capa gritando umas coisas muito esquisitas que eu não entendia e acertou ele com o pau. Ele pareceu não ter sentido e, com uma mão, agarrou o pescoço da garota. Neste mesmo momento, o cara atirou a garota contra a frente do ônibus que tinha acabado de chegar. Os outros caras estavam longe do ônibus e parecem não ter sofrido nada. Eu olhei perplexo para aquela cena e tentei ver o rosto do cara de capa, mas não teve jeito. A garota se espatifou toda contra o vidro do ônibus. O motorista quase teve um treco. Ainda cheguei ali perto para ver a garotinha, mas não tive coragem. Olhei em volta e o cara de capa já tinha sumido, naquela confusão. Aí vocês chegaram.


O delegado dá uma longa tragada. Ele me olha, de cima à baixo. Ele não esboçou sequer uma reação, parecia que nem estava me ouvindo. Acho que ele não acreditou em uma palavra do que eu disse.

- Libera o guri.

Os inspetores olharam pra ele, surpresos.

- A moça confirmou toda a história dele. Vai embora, guri. Tu não tem nada com isso.

- E a moça como está? - perguntei.

- Ela vai sobreviver.


Já na rua, ando umas 2 quadras até o local combinado.

- E então?

- Cara, tu ainda me mata de susto! Porra, não faz mais isso! - Digo eu, gritando.

- Desculpe.

- Qual é a próxima parada?

- Chega por hoje.

- Ótimo. Um só hoje. Ainda dá pra chegar em casa e assistir o jogo.

- Jogo?

- Sim, o futebol.

- Ainda não entendo o que podes ganhar assistindo estas coisas vulgares...

- Olha só: eu te ajudo, por que tu salvou a minha pele. Me mostrou os demônios. Eu enxerguei. Me ensinou a usar meus poderes mentais. Eu aprendi. Pediu para eu ajudar a "purificar o mundo em nome dos anjos da vingança"...

- Esperança.

- Ah, é... E tu disse que não ía interferir na minha vida. Pois é, não interfere agora que eu quero ver o jogo!

- É uma futilidade.

- É. Minha futilidade. Agora, vê se não enche o saco, tá?

- Que saco? Não vejo saco algum para encher? E encher de quê?

- Pra um anjo tu é bem tapado, hein? É o seguinte...

Enquanto isso, o bêbado jogava fora a última garrafa de uísque após assistir atentamente a discussão de um garoto com o ar sobre anjos, vingança, futebol e uma capa-de-chuva que teimava em sair de dentro da sua mochila.

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Encontro

Hoje eu acordei cedo. Olhei em volta e tudo estava exatamente como sempre.

A buzina do caminhão continuava lá. Tocando. Tocando. Tocando.

Levantei da cama. Não abri a janela pois continuava chovendo. E ainda faltavam 10 horas.

Decidi pegar o sabonete na despensa. Afinal, ele não estava no banheiro. De novo. De novo.

O chuveiro pingava. Como sempre. E ontem eu arrumei o registro. Como sempre.

Liguei a TV enquanto ela dizia "... e agora nossos comerciais.". Novamente. novamente.

Eu decidi subir até o telhado. Assim eu podia ver o atropelamento. O rapaz com a flores. O ônibus 575. A menininha brincando com a mochila nas costas.

De lá eu vi os cães. Eu ficava olhando eles. Vendo como andavam em bandos. E o homem. O homem em volta. Batia nos cães. E eles quietos. Submissos...

O QUE?! Os cães latiram? Eles latiram? Porque hoje eles latiram? Eles... eles nunca latem!
Eles estão atacando o homem! Meu Deus! Eles...

Desci correndo enquanto ainda tinha tempo. Eram só 10 horas. mas era tudo diferente. Eu podia sair daqui agora. Era minha chance. Um dia diferente! Um dia!

Eu corri para o banco. Rápido! Rápido! Não lembrava de nada. A velha continuava enrolada com a porta, na frente do banco. Vamos! Rápido! Rápido! Tentei passar. O segurança me barrou. Como sempre. Como sempre. Tinha que esperar.

Entrei. Preciso encontrá-la. Rápido! Ela não está na mesa. Ainda são 11 horas. O banheiro!

Entrei. Rápido! Gritos. Droga. DROGA! Eu grito:
- Eu estou aqui! Os cães latiram! Hoje! Eu ouvi! Eles latiram!

O segurança me jogou para fora do banco. Antes já foi assim. Já foi assim.

Sento nos degraus. Tenho que esperar. Tempo. Tempo. Tenho tempo.

Só as 4 horas da tarde ela aparece. Linda.
- É a hora.

Ela me olha sorrindo. Eu a desejo. A quero. Profunda e totalmente.
- Tem certeza? - ela me diz - Não foi bem isso que combinamos. Ou foi?
- Claro que foi. Você me disse.
- Você sabe que não pode me enganar. - ela falou enquanto puxava um cigarro.
- Não há necessidade disso. Você já me tem. Você sabe.
- É. Eu sei. É que adoro te ver implorar. - gargalhou ela com uma baforada de cigarro.

Fiquei ali amedontrado. Como sempre. Como sempre.

- Vai ficar aí parado ou vai me acompanhar. Vamos para minha casa.

Eu fui. Lá ela me explicou tudo que eu já sabia. De novo. De novo. Tudo de novo. Ela me disse as condições. De novo.
- Eu já sei tudo isso!
- Certo. Não precisar se irritar. Para ter certeza, você vai ficar aqui comigo. Até as 9 da noite, não é mesmo?
- Está bem.

Ela me trouxe um bolo. Comemos e tomamos café. Ela me contava como andava atarefado e disse que não tinha esquecido de mim. Apenas era difícil para ela aceitar que pelo menos uma vez ela errou. Por algum motivo estranho, ela tinha se confundido. Eu argumentei que sua profissão deveria estar sujeita a isso afinal, eram tantos que queriam a sua atenção ao mesmo tempo, deveria ser complicado.

Ela sorriu e se aproximou. Disse que o que mais gostava era da minha companhia. Gostava de conversar comigo. Eu era sempre diferente. Isso a deixava feliz. Sua boca se aproximou da minha. Seu perfume me inebriava. Eu a queria. Beijei sofregamente seus lábios frios. Eu a queria. Era tudo que eu queria. Como sempre. Como sempre.

Fizemos amor. Muitas vezes. Ela dormia tranquila. Eu me sentia estranho. Sentia um alívio. Havia tirado um peso do meu peito. Eram 9 horas. Era a hora. Novamente.

- Chegou a hora.

Ela levantou devagar. Olhando profundamente nos meus olhos.
- Eu não entendo. Olha tudo que temos. Porque quer ir? Você me ama. Admita.
- Não. Só quero ser livre.

Ela levantou e acendeu outro cigarro.
- Fica. Eu te amo.
- Você sabe que não pode.
- Eu posso tudo. Você já devia saber.
- Me deixa ir. Você pode conseguir quem quiser.
- Eu só quero você. Mais ninguém.
- Por favor. A enternidade é longa demais para mim.

Ela suspirou fundo.
- Está bem. Me dá um beijo. O último de hoje.

Fui ao seu encontro. Novemente eu sentiu o seu hálito gelado e adorei. O beijo da Morte é doce. Fácil de se querer. Eu senti a vida se esvaindo. Escorregando pelas minhas entranhas. Devagar e calmamente. Um torpor. Um fim. Finalmente. O dia chegava ao fim.

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Hoje eu acordei cedo. Olhei em volta e tudo estava exatamente como sempre.

A buzina do caminhão. Tocando. Tocando. Tocando. E ainda faltavam 10 horas.

O sabonete não estava no banheiro. De novo. De novo. E o chuveiro pingava. Como sempre. Como sempre.

Eu vi os cães. E eles quietos. Submissos... Como sempre. Como sempre.