Cheguei na entrada da garagem. A chuva era forte e atrapalhava até a visão. A entrada da garagem era uma porta de correr bem grande e pesada. Não seria muito fácil entrar ali. Decidi fazer dar uma volta em torno da construção para ver se conseguia descobrir outra entrada.
Acabei encontrando uma clarabóia. Dava para uma pessoa passar ali. Só tinha que abri-la. Eu sabia que como um bom policial não era certo o que eu estava fazendo. Isto era invasão de privacidade e agora, era também um vidro de janela quebrado. Apoiei o casaco na janela e empurrei a clarabóia na esperança de que eu conseguisse fazer com que ela abrisse. O resultado foi péssimo e eu quase me cortei. Além do mais, a minha esperteza devia ter alertado quem quer estivesse ali dentro.
Passei pela clarabóia e pisei no chão, em um monte de cacos de vidro, anunciando minha chegada. Molhado e cansado, cheguei a pensar em desistir. Afinal, o máximo que conseguiria seria uma pela suspensão, já que eu seguia os malditos conselhos daquele velho maluco e invadia uma casa. Contudo, já que eu estava ali mesmo, era melhor dar uma olhada. Enquanto me recriminava em pensamento e pensava na grande estupidez que estava fazendo, tentava encontrar a lanterna no meu casaco.
Finalmente, acendi a pequena lanterna a tempo o suficiente para gritar com o que os meu olhos viam. Uma criatura imensa se esgueirava em uma parede onde vários corpos humanos ficavam pendurados. Seu vício ou sua fome parecia ser tão grande, que ela sequer temia pela minha entrada no seu covil. O meu grito acabou alertando o meu algoz que enfim se voltava para mim com olhos esbugalhados e injetados de sangue. Ele veio em minha direção e, apesar do seu tamanho, muito mais rápida do que esperava. A lanterna acabou caindo no chão, mas continuou iluminando na direção do monstro. Instintivamente rolei no chão para minha esquerda, achando que ficando longe dos seus braços longos teria mais chance de reagir.
Ledo engano.
Um outro braço ou pata sai de um lugar errado, pelo menos para mim, acostumado a anatomia humana. A pata do animal agarrou a minha perna enquanto eu procurava desesperadamente a minha arma no meu casaco. A criatura continuou vindo por cima do meu corpo. Eu agora sentia uma cheiro nauseabundo de carne podre que enchia as minhas narinas. Ao invés de vomitar, o cheiro me entorpecia, me calava a boca e derrubava as minhas forças. Era como se a mão da morte chegasse, com toda crueldade do seu mais sincero arauto.
Então, quando achava que era o meu derradeiro suspiro, encontrei alguma coisa no meu casaco. Um pacote. Não era a arma que tanto precisava. Era uma pacote com luvas. Desesperado, minha mão foi se enfiando no pacote e, inesperadamente, a criatura urrou. Um grito inumano, mas claramente de dor. Ela pulou para longe e, agora, parecia menor. Eu olhei para a minha mão e senti que agora eu vestia uma das luvas. Olhei para o monstro e vi que ele tinha sido queimado... pela minha mão! A mão que usava a luva. Sem pensar, procurei desesperado pela outra luva enquanto o demônio se contorcia de dor. Vesti a outra luva e então, uma mudança subitamente aconteceu. Eu senti como se minhas mãos queimassem. Eu parecia possuir o calor do próprio Sol dentro de mim. Após este momento estranho, abri os olhos e olhei para minhas mãos. No lugar das luvas, eu agora possuía manoplas de metal. Elas brilhavam, como se estivessem vivas. Um brilho dourado, pulsante.
Fui até o animal que, a partir do momento que viu as manoplas, parecia reconhecer no meu ser o seu pior pesadelo. Me aproximei mais, e ao ver aquela enorme criatura amedrontada, confesso que me senti quase enebriado pelo poder que eu agora possuía. Até que, perplexo, olhei para o rosto do monstro e o que vi me deixou ainda mais chocado. A criatura era um ser humano. Deformado, mal tratado e transformado por algum tipo de arte maléfica que fugiu a minha capacidade de raciocínio.
Sem dizer sequer uma palavra eu entendia o que aquele ser queria. Ergui minhas mãos sobre sua cabeça e disse:
– Sei que isso não é suficiente, mas é tudo que posso te dar. Que Deus o leve para perto dele... Que esta seja a sua redenção.
As palavras que eu disse eu não conhecia. Nunca fui religioso e posso dizer hoje que aquele que falara tal coisa naquela época certamente não era eu.
Minhas mãos finalmente tocaram a criatura e uma luz enorme se formou ao nosso redor. E então, ele sumiu. Sobrou muito pouco além de cinzas espalhadas pelo chão. Minhas manoplas tinham apagado seu brilho, e voltaram a ser apenas luvas. Tentei tirá-las, mas não consegui. Nunca poderei tirá-las.
Saí de lá confuso e fui para casa exausto. Olhei ao redor e a chuva havia parado. Estava claro que o velho tinha me dado uma missão. Uma missão maior do que qualquer coisa que eu havia sequer imaginado. Eu era algo diferente agora. Uma força inexplicável que caminhava sobre a Terra. Eu ainda sou algo que tento entender dia após dia e luto para manter minha sanidade com tamanha confusão que tem se tornado a minha mente. Sou um escolhido. Sou o Redentor.
Não esperava por esse final...
ResponderExcluirÉ engraçado que eu sempre te imagino como a personagem dos contos! E isso deixa as histórias, acredite, muito mais divertidas! hahahaha
Tô sentindo falta daqueles teus textos que me deixam intrigada.