sexta-feira, 2 de junho de 2006

Tempo estranho

São 7 h e 15 min.
Estava estranhamente sem sono. Abriu as cortinas.
Ele andou até a sacada com o cigarro na mão. Olhou para céu e viu que estava nublado.
"Mais um dia..." Ele pensou.
Apagou o cigarro, jogando-o sobre o parapeito da sacada. Fechou a janela e tornou a deitar.

Acordou novamente.
Pegou o relógio e viu que já era 15 para o meio-dia.
Levantou ainda sonolento e foi novamente até a sacada. Continuava nublado.
"Tudo igual... Tudo igual..." balbuciou olhando para os prédios ao longe.
Havia uma amargura no seu olhar. Não gostava do seu trabalho. Não gostava da dificuldade que tinha para conseguir toda e qualquer coisa. Não gostava de como as coisas estavam. Mas, ao mesmo tempo, não parecia se importar muito. Pelo menos, não com ele mesmo. Existiam outras pessoas.

Ele se importava muito mais com elas. Era preciso estar ali, por elas. Seus idosos pais, o irmão desajustado, a irmã solteirona e carente, seu avô com efisema. Eles dependiam do dinheiro dele, do seu apoio, das soluções. Na realidade, ele sabia que não era tão importante assim. Contudo, o único modo de ele continuar vivendo era acreditar nisso.

No trabalho, se sentia só. Às vezes, as pessoas falavam com ele. Xingando-o na maioria das vezes. Também, poucas coisas ele fazia certo.

Ele também desconhecia o significado da palavra amor. Pouco amou. Aliás, amou muito, mas nunca foi retribuído.

Não gostava de si memo. Era baixo, magro e fraco. Lembrava mais um rato.

Mas naquela manhã nem tudo estava igual, como ele pensava.
Ele ouviu a campainha tocar. Foi até a porta e espiou pelo olho mágico. Seus olhos encontraram um homem gordo, de aspecto bonachão, com uma pequena valise. Ele então abriu a porta:
- Sim? - disse ele.
- Ah... Sim! Que bom que está em casa... Posso entrar? - perguntou o homem gordo.
- Não. - respondeu ele secamente. - O que o senhor deseja?
- Acabar com este seu sofrimento.
Ele ficou atônito. Não esperava esta resposta. Em uma reação quase inconsciente, já tinha escancarado a porta.

O homem entrou, sentado-se, sem cerimônia.
- Lhe proponho uma viagem. Você está fora do seu tempo. - falou o homem gordo com um sorriso.
- Eu não posso viajar agora. Para onde eu iria?
- Você não entendeu. Quero que viaje no tempo. Você vai e poderá voltar no exato instante em que disser que aceita. Tudo que precisa é assinar este papel. - diz o homem gordo, tirando de sua valise uma espécie de contrato.
- Espera aí... Quanto isso vai me custar? - disse ele desconfiado.
- Você está falando de dinheiro? Nada! Meu objetivo é tornar as pessoas felizes.
- Ninguém vai notar ou sentir minha falta? Não vou perder tempo algum e ainda viajar?
- Isso. - diz o homem gordo.
- Que espécie de brincadeira é essa? Eu não acredito.
- Pois então veja com seus próprios olhos.

Ao dizer isso o homem o leva para diversos lugares, como se assistissem um filme. Pré-história, renascimento, a bomba de Hiroshima.
Ele ficou extasiado.
- Como fez isso? - diz ele olhando no relógio - Ainda é 10 para o meio-dia! Como fez isso?
- Simples. É segredo.
- Eu posso voltar a hora que eu quiser e ver todos? Não tem nenhum problema?
- Sim e não. - fala o homem com um largo sorriso, sentindo que já tinha alcançado seu objetivo.
- Onde eu assino?
- Aqui. - aponta o homem gordo.
Ele assina. Sem ao menos ler.
- Pronto, eu aceito viajar.
- Então vamos!
Ao dizer isso o homem e seu amigo gordo saíram a viajar pelo tempo. Foram para inúmeros lugares e tempos. Ele viu coisas que nehum humano sonharia ver. Ele entendeu o Universo e a natureza das coisas. Ele viu reis e rainhas. Seres mitológicos e fatos históricos de grande relevância.

Finalmente, ele disse:
- Está na hora de voltar.
O homem o olhou sério.
- Que assim seja.
Eles voltaram. Estranhamente, sua casa estava diferente. Seus pais estavam sentados em um sofá na sala, assistindo uma TV.
- Pai! Mãe! - Ele correu em direção a eles tentando abraçá-los, mas ele acabou atravessando seus corpos.
Ele se voltou com um olhar indignado para o homem gordo.
- Eu disse que eles não sentiriam sua falta. - fala calmante o homem gordo, sem sorrir.

Ele vai até o homem gordo e o encara de forma firme.
- O que você fez comigo?! - disse ele aos brados.
- O que você fez a si mesmo seria a pergunta mais adequada. Você morreu. A muito tempo. Você se matou. Ainda que você não lembre mais, em algum momento do seu tempo aqui, você se matou. Você não queria viver. Achava que sua vida era um fardo pesado demais. Você odiava tudo que fazia. Ainda quando estava vivo, você já estava morto. Não percebe? Você nunca quis estar aqui.

Ele ficou olhando para o homem gordo. Um choro compulsivo, brotou de seu corpo. Ele ficou ali chorando, sabe-se lá quanto tempo.
Quando, por um breve momento, parou de soluçar, o homem gordo ainda estava ali.
- O que acontece agora? - disse ele, em um tom choroso.
O homem gordo suspirou fundo:
- Você vai aprender tudo de novo. Vai tentar buscar vida outra vez. Tentar encontrar algo que o faça querer viver de novo.
- Você é o diabo? É isso não?

O homem gordo agora sorriu, mas de uma maneira cândida:
- Me chame do que quiser. Eu o ajudarei. Até você poder se virar sozinho.
- Vou para o inferno?
- Você ainda não entendeu, não é? Que inferno maior você quer do que fazer sofrer a si próprio? Preste mais atenção. Agora vamos. Temos muito que fazer.

Ambos se dirigem até a porta. Ele pergunta:
- Nunca mais vou vê-los, não é?
O homem gordo assenta com a cabeça, confirmando a suspeita dele.
- Então vamos.
E os dois somem em uma luz de brilho indescritível.

Em um cemitério, está escrito em uma lápide:
"Dedicado àquele que tanto cuidou de todos nós. Desculpe por termos esquecido de você, que sempre fez por nós".

Um comentário:

  1. Prefiro qdo vc escreve contos que me deixam mais intrigada...
    Contos que soam tristes parecem não combinar muito contigo.
    Posso estar errada...

    ...Mas essa possibilidade não está em questão!
    hahahahahaha
    ;)

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