sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Conto

Ando meio fora do ar com notícias... Entretanto, andei lendo sobre o roubo de informações sigilosas da Petrobrás que estavam em um container. Tudo resolvido já. Inevitavelmente, isso rende, no mínimo, um conto.

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A Caixa

- Aqui estão.

Os documentos se espalham na mesa de Herr Victor. Alguns papéis ficam um pouco para fora e estão um visivelmente manchados. Os DVDs que tocaram a mesa parecem não ter sofrido nada. As janelas tomadas pela fuligem de São Paulo dão aquele ar adequado ao escritório: um muquifo.

- Não se assuste com o aspecto deles. Os DVDs devem estar funcionando.

Herr Victor não levanta a cabeça para me olhar. Aliás, se isso não fosse tão importante para ele, certamente essa atitude já teria me custado a vida. Ainda bem que ele parece de bom humor. Afinal, só tem um corpo sangrando atirado nessa sala. Deve ser um bom dia. Ainda bem que não é o meu.

- Por muita menos essa imbecil aí na chão tomo uma tiro nas cornos! Onde estão as modos das jovens hoje? Hein? Eu como teu bunda! Eu como teu bunda!

- Ora, Herr Victor. Nós dois sabemos que o resto dos documentos estão em um outro local, mais seguro. E assim que eu receber, eles aparecem. Por isso, eu não quero sujar o seu tapete... Como esse cara aí... - eu aponto pro chão.

Herr Victor não ri. Ele nunca riu, eu acho. Ele arfa, grunhe, rosna e até morde. Mas nunca ri. Só falta um dia eu descbrir que ele é um pastor.

Ele fala algo em alemão no telefone. A secretária gostosa dele entra. Eu adoro quando ela entra. Alta, cabelos ruivos, olhos negros. Não sei se eu gosto mais de vê-la rebolando quando vai da mesa do Herr Victor de volta pra mesa dela ou do jeito que ela dá uns pulinhos para passar por cima dos corpos. Ah, os pulinhos.

- Frida vai testar as DVDs e você espera comigo. Frida traz um coca pro moço!

Frida. Lugar comum. Aposto que esse nem é o nome dela. Ela me olha. Eu congelo. Ficamos uns poucos segundos assim.

- Normal ou zero?

Meu Deus... Ela falava também.

- Normal, obrigado.

Eu finalmente sento na cadeira.

- Então, conta pra Herr Victor como conseguiu esse corte no cara... Parece bem feio, não?

Eu olho pra ele. Enquanto eu olho para o rosto enrugado daquele alemão, fico pensando: como é que pode? Não posso esquecer essa última noite tão cedo. O porto estava silencioso. Talvez fosse a chuva. Apesar da chuva, Macaé continuava uma cidade bem quente. A presença de um homem andando entre os containers seria facilmente percebida pelos vigias com sua câmeras de visão noturna, mesmo naquela chuva. Pena que eles já estavam mortos. Eu sei... os caras não ganhavam o suficiente pra tomar um bala na cabeça... Eu sei que foi sacanagem... Mas primeiro eu. Eu.

Achar o container foi fácil. O Serviço do rato que eu subornei estava certinho. Petrobrás, 5501E. Moleza. Era só abrir e sair. Abri o cadeado como se fosse uma lancheira de criança. Tinha uma caixa logo na entrada. Lanterna nela. Abri. Bingo. Tudo que eu queria. E eles ainda fizeram o favor de deixar tudo junto: DVDs, notebooks, disco rígido e mais uma papelada. Muita coisa parecia sobre estudos de novas bacias de petróleo. Coisa de cachorro grande. Não era pro meu bico. Peguei tudo e botei na mochila.

Dei mais uma olhada no container. A lanterna refletiu uma pequena caixa metálica. Cheguei perto e fui tentar pegá-la. Era estranhamente pesada.

Olhei com mais atenção. Parecia um paralelepípedo de metal. Foi então que aconteceu...

- Sua coca. Está tudo funcionando Herr Victor.

Meu devaneio não levou mais que 5 segundos. Ela era bem eficiente.

- Bom. Bom. Pode pegar sua dinheiro.

Ele me joga um papel pardo com algum peso dentro.

- Euros?

- Sim. Pode ir agora. Eu muita ocupado. Traz a resto. Trinta minutos. Olha lá! Olha lá!

- Pode deixar. Até daqui a pouco.

Peguei a coca e saí. Tinha um papel embaixo da latinha. "Tudo certo. Frida." e um número de celular. Pisco para ela antes de entrar no elevador. Ela lança um olhar gelado. Deve ser esse corte na cara.

Ah... Pois é. A caixa caiu no meu pé. Doeu. Mas eu não gritei. Não fiz nada não. O corte no rosto? Bom... Isso tem a ver com a Frida. Aquela vaca enfiou a unha no meu rosto a noite passada. Mas valeu. Ela trepa bem. Muito bem.

Pelo menos consegui convencer ela a matar o velho. Trepa bem... Mas é burrinha. Típico. Essa altura o velho tá morto, ela deve tá sendo presa e eu posso vender o que sobrou pro Irlandês. Simples.

Impressionante como existem denuncias anônimas pra Polícia hoje em dia.

Quando chegar em casa dou uma olhada na caixa com calma.

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Droga... Tenho que arrumar essa fechadura...

- Frida?

- Surpreso?

- Não... Claro que não... Só não esperava te ver aqui.

- Pois é. Saí antes da polícia chegar.

- Ué... Teve polícia é? E o velho morreu?

- Cala boca, idiota.

A gente entra na minha casa. Ela sacou. Bom. Ela não é tão burrinha.

- Eu quero pegar o resto das coisas.

- Porque não me mata primeiro Frida?

Ela puxa o revólver das costas. Aponta pra mim. Não deixou eu chegar perto.

- Tá. Tá legal. Tá aqui na bolsa.

- Passa! Vai!

Eu abro a bolsa. Pego a caixa com as duas mãos. Tiro devagar da bolsa.

- Aqui... PEGA.

Eu falei. Burrinha. Ela atira. Eu tenho sorte. Sempre tive. A bala pega na caixa. Volta pra ela. Belo estrago. Entra no olho direito. Deve ter pego no cérebro. A humanidade agradece.

Bom pelo menos agora já sei pra que serve essa caixa.

Um comentário:

  1. Esse teu conto é parecido com uma estória escrita pelo veríssimo e outros caras, cada um escrevia um capítulo. O nome é "pega pra kaput", se não me engano. Um dia desses te empresto, é bem curtinho.
    Abraços
    Assamita

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