sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Aconteceu comigo - A Facada

Atualmente, com a quantidade de meios de informação, cada vez mais nos defrontamos com casos de violência que beiram desde a estupidez até a premeditação extrema com requintes de crueldade. Porém eu fico ainda mais impressionado quando ela ocorre ali, praticamente dentro de casa, no quintal.

Eu estava esquentando a água pra tomar um verde, quando eu ouvi uma gritaria vindo da rua. Fui até a sala lentamente, sem me importar muito. Moro em uma região tipicamente movimentada principalmente, por volta das 19 horas.

Na sala encontrei a Borboletinha (Sra. Whalietric ou Sra. W.), meio assustada:
- Que foi? - eu disse.
- Eu ouvi um grito. - ela estava lívida.

Deixei o mate na mesa eu fui até a janela lateral da minha casa. Vi umas 3 pessoas olhando para frente do meu prédio. Fiquei levemente apreensivo e corri até a janela da frente. O mais estranho de tudo era que o barulho dos carros era alto e tudo acontecia como se eu assistisse um filme mudo. As bocas mexiam, mas eu só escutava os automóveis.

Lá presenciei uma cena que alguns diriam que é "de filme". Um homem de boné com uma faca na mão. Um outro encostado em um muro, acuado. O homem da faca parte pra cima do que está encostado no muro. E aí, qualquer pensamento "de filme" vai por água abaixo. Enquanto o da faca vai pra cima o outro se encolhe, tentando se proteger de alguma forma, claramente ineficaz.

A faca acerta o homem no muro na sua lateral esquerda.

Uma. Duas. Três vezes. Daqueles 3 que estavam olhando, pelo menos 2 parecem ir para cima do cara da faca. Ele aponta a faca na direção de um deles e depois de outro. Instintivamente, eles param. A faca pinga sangue na calçada. Eles levantam as mãos e se afastam. O agressor da faca saí caminhando olhando ao redor tranqüilamente. Seu rosto encoberto o tempo todo pelo boné, do ponto de vista que eu tinha.

Tudo isso deve ter levado uns 5 segundos. O homem esfaqueado parecia escorrer do muro. Aos poucos, ele foi deitando. A calça branca começou a tingir com um vermelho muito escuro, vívido. Seu rosto ao contrário, parecia estar abandonando a vida. Ocorreu uma certa correria. Uma das pessoas pegou o celular e começou a discar. Outro foi até o homem tentar reanimá-lo.

Nesse momento dei 2 passos cambaleantes para trás. Saí do quarto devagar. Fui até a sala. Peguei o telefone. A Sra. W. me interpela.
- Que que houve?
- Mataram um cara aqui embaixo... Não vai olhar.

Acabara de dar a senha para ela correr até a janela, com o mate em punho. Fiquei ali com o telefone na mão, desconcertado. A gente sempre acha que está pronto para tudo... mas não é bem assim. Eu não conseguia tirar da minha cabeça a imagem da calça, cada vez mais empapada de sangue. Do quarto, a Sra. W. gritou para chamar uma ambulância.

Retomei meu raciocínio e comecei a agir. Liguei para o SAMU. Chamei a polícia.

Acabamos acompanhando tudo dali de cima. Desde de a hora que eu ou o cara do celular ligou para a ambulância até o momento da chegada da mesma, decorreram exatos 45 minutos. O trabalho dos socorristas foi apenas jogar um fino pano azul sobre o corpo. Curiosos se alomeraram em frente ao prédio, com as mais diversas reações. Carros chegavam a parar no meio da rua. A entropia aumentando quase que espontâneamente.

Outra hora e finalmente chega a Brigada Militar. Mais 20 minutos, a Polícia Civil, junto com a perícia. Todo mundo se afastou nesse momento, com exceção de 2 das 3 pessoas que foram ameaçadas pelo agressor da faca. A perícia fez o "local" ali mesmo.

Outra hora e meia o caminhão do IML. O corpo é atirado numa espécie de leiteira e atirado outra vez dentro do caminhão.

Não fiquei olhando tudo isso. A Sra. W. com sua típica curiosidade, ficou mais tempo assistindo. Meu estômago pareceu embrulhar, mas logo depois passou. Continuamos tomando o mate. Não falamos mais sobre isso. Abracei forte minha esposa, com clara preocupação. Reforcei as típicas táticas de atenção para com ela, quando ela está na rua, chegando em casa, no ônibus, entre outros. Ela disse simplesmente "eu sei... eu sei...".

Nossa vida continua exatamente igual. Não fiquei sabendo quais fatos levaram ao crime. Não sei porque tudo aquilo aconteceu. Confesso que recentemente tenho pensado na fragilidade da nossa vida e na quantidade de agressividade que podemos despejar em outro ser humano. E logo depois, acabo esquecendo tudo. Porque a vida continua.

Nosso comerciais, por favor

Venho por meio desta agradecer de coração aos últimos comentários feitos no blog.

Confesso abertamente a quase todos que lêem meu blog que o mais gratificante e estimulador para que eu continue escrevendo são os comentários de vocês. Ainda mais quando eles vem cheios de detalhes, com uma opinião não só sobre o quanto o texto agradou, mas também quanto a sua parte técnica e "métrica".

Espero que a nossa parceiria continue. E pra deixar vocês curiosos:
- Eu e o amigo Veiby escrevemos um livro. Algumas pessoas já tiveram acesso ao manuscrito e estamos esperando a crítica. Estamos em busca de parceiros para possivelmente publicá-lo.
- Finalizamos um roteiro que é basicamente de minha autoria, mas com uma forte colaboração do amigo Veiby. Também estamos em busca de parceiros para ou produzir um curta-metragem ou uma HQ.

Candidatos a críticos e, principlamente parceiros, são extremamente bem vindos.

Mais uma vez obrigado por prestigiarem este blog e estou muito interessado em ouvir não só seus comentários mas também idéias para tornar o blog maior e mais interessante para todos.

Voltamos agora a nossa programação normal.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Aconteceu comigo - O Cuspe

Eu lembro de um acontecimento bem inusitado que ocorreu quando eu ainda era um piá. Eu estava no intervalo da aula ("recreio"), correndo pelo pátio do colégio. Confesso que não era muito meu costume mas era um dia bom... Eu me sentia bem. Então, não mais que de repente, encontrei um colega que vou carinhosamente chamar de Mala.

O Mala era o típico... mala. Ele era estranho. Muito. Se movia de modo estranho. Parecia que tinha tido algum tipo de problema de nascença. Tinhas as pernas e os braços arqueados para dentro, as mãos meio bobas. Era estrábico, mas seus olhos era de um azul muito forte. Tinha a cabeça desproporcional em relação ao corpo e parecia que ela pendia de um lado para outro. Era um boneco de molas com a cabeça solta e os pés tortos.

Era esperado que um cara desses fosse recluso, ridicularizado, inibido ao extremo. Afinal, esse é o estereótipo. Era exatamente o contrário. Ele era chato, falador, azarava as guriazinhas, tirava onda com as professoras (não tinha professores na minha série), e ainda dava peteleco em todo mundo. Além dos clássicos: desenhar pintão na cadeira, botar tachinha, fazer zarabatana com Bic usando munição de papel e cuspe, entre outros. Cuspe. Pois é.

Neste dia em que eu estava na minha, correndo e jogando bola no pátio, o puto do Mala resolveu pegar no meu pé. Ele começou gritando coisas do tipo bichinha, fazendo aquelas riminhas bobas (dizendo que eu comia casca de ferida, por exemplo, algo altamente ofensivo naquela idade), chamando de pé torto, essas coisas.

O meu limite, que era muito maior naquela época, tinha sido finalmente atingido e resolvi encará-lo, já que ninguém fazia isso. Mandei ele calar a boca. Ele continuou. Mandei de novo. Ele continuou e acrescentou algo envolvendo pus e cocô. Eu mandei ele parar de novo agora com um empurrão. Ele revidou o empurrão com as mãos tortas e com ranho no nariz escorrendo e voltou a falar do pus. Quando eu fui empurrar de novo, veio o golpe fatal: uma bela cusparada na minha cara.

Muitos outros colegas assistiam tudo de camarote. Várias meninas, e o interesse por elas já começava a ser maior que brincar de Comandos em Ação. Uma guria olhou e gritou: ARGH, ele tá com um cuspe na cara! Todos que estavam por ali começaram a rir e apontar. Ele deu aquele sorriso débil e, naqueles poucos segundos que mais pareciam um eternidade, eu experimentei o gosto amargo da humilhação. Ele ficou lá... Sorrindo. Debochadamente.

Durante todo esse tempo o cuspe escorria pelo meu rosto. E, pra nojeira geral e irrestrita, um tanto caiu na minha boca. Dentro dela. Acho que essa foi a primeira vez que eu perdi a cabeça. Eu senti muita raiva. Uma raiva incontrolável. Eu limpei o cuspe como deu, esfregando a manga do meu abrigo 3 listras (procura na net mané!) no rosto tentando tirar o que podia.

No segundo seguinte o meu olhar se voltou pra ele. Eu adoraria saber o que ele viu. O sorriso saiu daquele rosto, adquirindo um ar de desespero. Ainda assim eu podia ouvir ele rindo, como se eu conseguisse ouvir só o som dele. Ele se virou e começou a correr, comigo logo atrás dele. No que ele virou, bateu com o rosto em uma árvore, mas conseguiu continuar correndo.

Ele correu pra dentro do prédio, tentando chegar até a sala de aula. Eu consegui acompanhá-lo, mas ele chegou antes e tentou fechar a porta. Eu me joguei contra a porta, e ele não conseguiu me impedir. A porta estava aberta e agora era só eu e ele.

Fui na direção dele. Ele me pedia pra parar. Me pedia desculpas, por favor. Aí, quando eu estava quase aceitando ele tentou me cuspir de novo. Dessa vez eu me esquivei rápido e o cuspe não pegou. Revidei com outra cusparada que pegou na mão e na roupa dele. Ele dizia: "Tá, já se cobrou. Parô. Parô.". Eu concordei: "Tá bom. Parô então.". Aí, ele se aproxima e me mete um tapa no rosto. O tapa foi ainda pior que o cuspe. Parecer ligar algo mais primitivo dentro de mim. Eu só queria ver o Mala sangrando. Era só o que eu pensava.

A coisa ficou feia. Revidei o tapa com um empurrão e um tapa no rosto dele. Ele tentou me acertar outro tapa, mas eu defendi com a mão. Segurei ele pelos cabelos e comecei a dar socos na barriga dele, até ele cair.

Nessa altura eu já não enxergava mais nada. Tudo que eu queria era que ele sofresse muito. Ele caiu no chão e aí eu comecei a chutar a barriga dele. Uma. Duas. Três vezes. Na quarta eu ía começar a pisar na cabeça dele. E eu estava com os meus Adidas preto de couro. Eu não pensava mais nada. E o pé estava no ar mirando a cabeça do Mala. Eu fui impedido por uma professora e um bando de alunos com os olhos arregalados.

Acabei no SOE. A tal orientadora me perguntou o que tinha me levado a fazer aquilo. Afinal, eu era um aluno exemplar. Eu contei pra ela. Ela ficou séria. Disse que mesmo assim eu não podia fazer isso. O Mala tinha problemas e eu devia relevar essas coisas que ele fazia. Perguntei se ela deixaria ele cuspir na cara dela. Ela me disse para sentar quieto na mesa e me deu 2 gibis para ler. Eu só sairia dali depois que ela quisesse.

Naquele dia muitas coisas ficaram claras para mim:
- Em primeiro lugar, você pode ser o maior filho da puta sacana, as pessoas sempre vão achar que você tem um problema e por algum motivo você ficou daquele jeito. No fundo, elas acham que você é sacana é legal.
- Em segundo, você pode ser um cara legal, estudioso e calmo, mas se você fizer algo desse tipo é culpa é sempre sua. Afinal, você é tão responsável que deve ser e agir como um "homenzinho". No fundo, as pessoas te acham sem graça. Um chato.
- Terceiro, a justiça e a moral são subjetivas... They are in the eye of the beholder.

Dia desses encontrei o Mala, no supermercado. Eu olhei e reparei que era ele só de olhar. Numa atitude infantil, desviei o olhar e me virei de costas. Não queria falar com ele. Sequer olhar pra ele. E era assim que esta história devia acabar.

Só que a realidade é estranha. Ele veio e me abraçou efusivamente. Fiz aquela cara de surpresa. Ele me perguntou da vida e como eu estava. Minha esposa me olhava sabendo que havia algo errado, pois eu estava branco. Ele me apresentou a noiva. Marcamos uma janta na casa dele. Trocamos telefone. Ele apontava para mim falando de como era meu fã no colégio. E que eu era o mais legal de todos os colegas pois eu conversava com ele. Ele não tinha mais aquele jeito estranho, apesar do andar ainda esquisito. Ele deu as costas e foi-se acenando de longe para mim.

Só falta agora decidir se cuspo na cara dele na entrada da casa dele e evito o jantar ou depois da sobremesa.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Do pó ao pó - Parte 2

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A parte 1 do conto Do Pó ao Pó pode ser lida na íntegra AQUI
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Aquele episódio marcou o fim da nossa infância. Sabíamos que não éramos mais os mesmos. Um ano após aquela desgraça aconteceu algo ainda mais terrível. Meus pais foram encontrados dilacerados. Seus corpos espalhados aos pedaços por todos os cantos. Eu ouvi a notícia ainda na casa de Mark. Saí então correndo, fugido da casa do Mark, no meio da noite. Meu coração parecia que ia pular numa mistura de choro e apreensão.

Quando cheguei, encontrei alguns homens entrando e saindo da casa. Um deles conduzia um velho carrinho de mão. Outro vomitava ao lado da entrada. Era um lar muito simples, sendo um pouco melhor que uma pequena choupana. Os homens pareciam absortos com outras coisas, enquanto eu, com meu tamanho diminuto, passei tranquilamente entre eles. Quando entrei na pequena casa de meus pais algo se remexeu no meu estômago, alcançando rapidamente a minha garganta.

Um cheiro nauseabundo exalava de dentro da casa. Fiquei firme e não vomitei. Escancarei a porta e me amaldiçoei por minha estupidez. Aquela não era mais a minha casa. Era apenas um departamento do inferno. Vi pedaços de membros fora dos seus lugares, retorcidos, saindo de lugares improváveis em um corpo que mais lembrava um monte de carne putrefata atirada ao chão. O teto estava manchado com uma mistura de sangue, fezes e bile, prováveis responsáveis pelo cheiro do local. Existiam símbolos estranhos pintados com sangue na parede, bem como figuras grotescas em situação de sodomia. Agora o inferno se apresentava para mim pela segunda vez

Dei alguns passos para trás e vomitei. Eu chorava e não conseguia mais reter meus líquidos estomacais. De repente fui arrastado dali. O choro compulsivo impedia que eu enxergasse o que ocorria. Acabei por desmaiar.

Acordei novamente na casa dos Hagen. Eu estava no quarto de Lily, deitado em sua cama. Seus lençóis tinha cheiro de margaridas e eu enxergava outras flores na sob a penteadeira. Lily estava do meu lado segurando um pano úmido sobre a minha testa:
– Oi Adi.... Você está melhor?
– Sim... Obrigado Lily.

O cheiro dela era doce. Seus cabelos longos tocavam minha face úmida pelas lágrimas. Ela segurava minha mão, enquanto seu corpo se debruçava sobre o meu. O tecido fino de sua camisola revelava formas que eu nunca tinha percebido antes. Senti uma espécie de comichão, algo diferente. Olhei para região dos meus quadris e percebi que meu corpo começou a agir, se mover, sem que eu quisesse. Fiquei assustado.
– Lily, eu quero ficar sozinho um pouco, tá?
– Calma, Adi.
– Por favor... Lily.

Ela me olhou, estranho. Eu nunca tinha dito “por favor” para Lily. Ela sabia que algo estava diferente. Me encolhi rapidamente tentando esconder minha primeira ereção e minha vergonha.
– Hum... Está bem. Vou chamar a Madame para ela ver como você está.
– Lily... Como eu vim parar aqui, em casa?

Lily ia começar a falar e de repente emudeceu. Ela fez uma cara estranha. Olhou para os lados. Parecia desorientada.
– Adi, eu não lembro. Estranho, não? Vou chamar a Madame.

Enquanto ela saía, eu me virei para janela do quarto.

Gritei. Havia uma sombra no vidro e os mesmos olhos de fogo que eu já tinha visto. Esfreguei os olhos e olhei novamente para janela. Não havia nada lá. Isso tudo era só o começo.