Estava cansado. Tinha chegado a pouco da minha ronda e precisava dormir. Mas, eu não conseguia. As imagens dos últimos acontecimentos ainda não saíam da minha cabeça. Um dia após o outro eu via diversos seres passando ao alcance do meu toque. Um toque capaz de muitas coisas. Um toque que eu não era capaz de sentir. Mesmo assim, a vida que eu vivia agora era sempre correndo. Ou fugindo, ou perseguindo alguém, ou alguma coisa. Nunca foi o que desejei para mim. Enquanto eu caminhava e divagava, olhava para as minhas luvas, aquelas que tinham sido o maior acontecimento da minha vida. Se eram o melhor ou o pior, eu ainda não tinha certeza.
- Redentor! - Olhei em volta, após ouvir uma voz familiar chamar por mim.
- Aqui em cima. Estou sem sono. Quer conversar? - Disse o meu mais recente amigo, Escudo.
Olhei para cima e o vi flutuando um pouco acima da beirada do prédio, como ele sempre faz. Enquanto eu subia as escadas até o terraço eu lembrava que, às vezes, eu tinha inveja dessa capacidade que ele tinha. Ele podia voar quando quisesse. Eu, só quando as luvas queriam. Eu sei, eu estava aprendendo, mas nunca pude voar pelo simples prazer de voar. As luvas tinham um propósito. Eu deveria servir à elas, e não elas me servirem. Entretanto, as técnicas de meditação estavam ajudando e, com muito esforço, eu já conseguia flutuar como ele, como se as luvas dissessem "Está bem, eu vou ajudar você, mas só um pouquinho".
- Bela vista, não? - disse Escudo, ao me ver chegar.
Me aproximei da beirada para me certificar. Era uma noite clara. A lua estava alta e grande no céu, enquanto um halo de luminosidade parecia protegê-la como um campo de força. A neve que refletia a luz do luar deixava uma brilho fracamente azulado ao redor da paisagem. As folhas nas árvores se mexiam levemente sob a brisa gelada que vinha do norte. E a sombra da montanha atrás da Escola, a qual sempre parecia um gigante tentando engoli-la, era bem menos ameaçadora.
- Seu turno da vigia? - perguntei.
- Não. Decidi deixar o garoto dormir. Eu estava sem sono e ele praticamente dormindo em pé. Já pensou no Bricker caindo de cara no telhado após desmaiar de sono?
- Podíamos pousar o avião diretamente no hangar, sem abrir a porta... - falei com um sorriso amarelo.
- Continua tentando decifrar o seu fardo? Não me parece muito feliz... - retrucou Escudo.
Baixei a cabeça e olhei para as luvas sem dizer nada.
- Talvez eu entenda mais do que você pensa... - disse Escudo, sem que eu dissesse sequer uma palavra.
- Redentor, será que você já se perguntou se realmente deveríamos estar aqui? Será que deveria realmente existir um Escudo, ou um Bricker, ou até o Redentor? Eu não duvido dos propósitos divinos, mas veja o que acontece ao nosso redor: somos perseguidos e caçados e eu posso lhe dar uma dúzia de causas diferentes para que isso tudo ocorra. Mas, será que nossos inimigos não estão certos?
- Só porque somos diferentes? O que está dizendo, enlouqueceu? - respondi com certa fúria em minha voz.
- Não, e eu tão pouco concordo com isso. Veja, se somos superiores física e metalmente aos demais, e impedimos que coisas ruins aconteçam, nós estamos realmente fazendo o que é certo? Veja suas luvas, por exemplo, elas lhe deram o poder, ainda que quando elas querem, de ser o juiz, o júri e o algoz de toda uma espécie de seres que julgamos serem maus... Eles atacam e matam humanos, mas será que não é isso mesmo que deve acontecer?
- Você não pode estar falando sério... - respondi, assustado.
- Outro exemplo: Bricker. Ele é um garoto e provavelmente, um dos seres mais poderosos que já habitaram a Terra. Já imaginou quando ele for mais velho e estiver no seu auge? Já parou pensar que talvez toda aquela história de me prenderem foi para que eu não atrapalha-se o real motivo da existência do Bricker? Será que não é ele que está sendo perseguido para criar uma nova raça de super-seres? Já imaginou mulheres inseminadas com o sêmen do garoto, e o que teríamos?
- Beterrabas tamanho GG? - respondi ironicamente.
Escudo me olhou sério. Durante 3 segundos.
- Ele é roxo! O que esperava... - complementei.
- O grande problema é que a maioria das pessoas, humanos, pensa como eu estou lhe dizendo. Nós, metahumanos, somos vistos como uma ameaça a sociedade humana comum e, pelo menos em parte, eles têm razão. Muitos de nós trocam socos primeiro e perguntam depois. Não deveria haver a diferenciação. Devíamos tentar resolver nosso problemas e diferenças juntos e não tentar nos defender uns dos outros... Às vezes, penso que se o Escudo não existisse, tudo seria melhor. Talvez, nós só estejamos matando a borboleta antes dela sair do casulo... Impedindo que algo melhor venha a surgir.
Olhei o Escudo com muita atenção e surpresa. Debaixo daquela aura azul de pura energia e de toda aquela serenidade e formalidade, havia um ser humano.
- Sabe de uma coisa: por tudo isso que você é, você é o meu metahumano favorito. Cara, você é simplesmente um super-herói. Só os verdadeiros super-heróis se preocupam com isso. Com o certo e o errado. E você está lutando para não perder isso. Eu ainda tenho muito que aprender com você...
- Obrigado. Você é um grande amigo. E preciso aprender a rir disso tudo de vez em quando. - diz Escudo.
- Já pensou em como seria estar num gibi? Nós íamos ganhar muito dinheiro. - disse eu, zombando.
- Como seria?
- Redentor e Escudo, contra o mal.
- Quem sabe Escudo e Redentor?
- Os mutunas! Que tal?
- Nossa, você é péssimo nisso... Vamos descer. Tem uma pizza no freezer. Eu vou esquentar com as mãos.
- Podia deixar de ser tão exibido...
Enquanto ríamos das bobagens que dizíamos, eu notei que eu não estava só. E que pelo menos, eu não tinha perdido aquilo que realmente importava: minha humanidade.
quarta-feira, 25 de outubro de 2006
segunda-feira, 23 de outubro de 2006
A Natureza dos Seres
Há muito não o via: Barak Uldur, O Renegado. Um orc perseguido pelo seus. Não que este não seja um fato comum entre eles. Todavia, esta história tem a interferência de um ser humano. Um a interferência que talvez tenha custado a vida e a reputação de Barak entre os seus, para sempre.
Houve uma época, em que eu ainda era um aprendiz, quando fui designado para uma tarefa um tanto quanto esquisita: deveria observar o tempo que julgasse necessário uma família de orcs. Nunca esperava algo assim. Mas, Mestre Kyril, O Fogo Verde, jamais explicava nada a seus alunos. Simplesmente devia cumprir a missão, enquanto eu seria avaliado pelos enviados dele. Como, eu sequer imaginava.
Consegui detectar uma família de orcs nas Montanhas de Lydia. Fui até lá, e lancei um feitiço de invisibilidade em mim mesmo. Subi em uma frondosa árvore que ficava em frente da toca dos orcs e esperei.
Pouco vi senão aquilo que eu já sabia sobre os orcs. Seus hábitos detestáveis e sua atitudes estúpidas. Nada mais além daquele comportamento hediondo. Na terceira noite de minha vigília fui surpreendido. Uma fêmea orc aproximava-se da toca orc, se arrastando e gemendo. Percebi o volume em sua barriga e vi que ela carregava vida em seu ventre. O orc macho saiu da sua toca como se tivesse farejado um cheiro que repudiava com todas as forças: grunhindo e brandindo sua espada, em busca do intruso que invadia suas terras. Então ele percebeu a fêmea. Ele não pensou duas vezes. Ergueu a fêmea e a levou para dentro com um gesto rápido. Não ousei me aproximar mais, mas fiquei espantado com tal atitude. Esperei até o amanhecer.
Logo ao amanhecer, ouvi os orcs de dentro da casa berrando como animais. A fêmea deve ter morrido pensei. De repente, de dentro da toca, o corpo ensanguentado da fêmea sai voando e se espatifa no chão. Nas mãos do orc, uma bebê orc. O orc que parecia ser o chefe pulava com o pequeno no colo, como outros orcs a sua volta. Talvez seus filhos. Eram 9 no total. Eles gritavam Barak Uldur, a plenos pulmões.
Decidi chamá-lo, para efeito de registro, com a expressão que os orcs gritavam: Barak Uldur. Me surpreendeu o fato de um orc estar celebrando a vida e tratando seu filho com uma espécie de carinho, ainda que fosse um tanto brutal. Confesso que de certo modo, senti afeto pela pobre criança. Algo como o afeto que temos pelo filhote de um cão que encontramos vagando pelas ruas.
Um mês depois, fui surpreendido. Enquanto fazia a minha observação já durante a noite, a criança foi, de repente, jogada pela entrada da toca, batendo com força na árvore onde eu estava. Em seguida, seus irmãos saíram da toca e o atingiram. Diversas vezes. Socos e chutes. Finalmente, o famigerado pai saiu de dentro da toca, retirando um a um os orcs que espacavam Barak. Me surpreendi, pois não esperava que ele tentasse manter a ordem. Não um orc. Ele se aproximou da criança. Fiquei alguns instantes ali parado, olhando para baixo, para aquele montículo de ser vivo, enroscado nas raízes nodosas daquela grande árvore. Ele então sorriu e golpeou com um chute poderoso a criança. A criança berrou e com um último suspiro, pareceu desmaiar. O orc pai pareceu dizer alguma coisa com as mãos erguidas para o céu. Com o meu parco conhecimento da língua orc, percebi que ele falava algo sobre "real valor" e "prova de resistência". Ele se virou e voltou para dentro da toca.
Fiquei furioso. Para a criança provar seu valor ela deveria sobreviver a fúria dos seus próprios familiares. Por um momento, me enchi de nojo das criaturas que acompanhava, já fazia algum tempo. Seres desprezíveis e hediondos. Então, olhei para baixo e vi a pobre criança orc caída. Vendo seus ferimentos, desci. Foi então que cometi o erro que Barak Uldur talvez jamais me perdoe.
Vendo seu estado lamentável, apliquei-lhe um feitiço de cura profunda. Acabei por eixar o feitiço de invisibilidade cair, revelando a minha identidade. Consegui restituir boa parte de sua vitalidade, o suficiente para recuperar-se sozinho. Foi então que percebi que a criança me olhava fixamente espantado com a minha atitude, ou com medo, por ser tão diferente dele mesmo. Me levantei, e fui me afastando com cautela. Não imaginava qual seria sua reação. Então, ele balbuciou: Anouk. Dei as costas para ele e disparei em direção a guilda. Nunca mais fui observá-lo.
Mais tarde, descobri que Anouk signifca o nome do ser que os leva para morte. Não sei como a criança sabia disso. Ontem acabei emboscado por uma dezena de orcs. Estávamos eu e um elfo negro andando pelo mundo quando fomos encurralados. Fomos atacados ferozmente. Fui derrubado por um golpe que me atingiu pelas costas. Caí, e ao me virar, um orc grande erguia sua lâmina no ar. Ele gritou e antes de finalizar o golpe parou. Olhou para o meu rosto e falou: Anouk. Ficamos paralisados nos olhando, por poucos segundos. Ele então se voltou contra os próprios irmãos, matando pelo menos 3 deles. Aliados, eu, o elfo negro e o orc não éramos páreo para os outros orcs. Dois orcs, ainda fugiram. O elfo negro não acreditava e não entendia o que tinha acontecido. Ofegante, o olhei e falei: Barak Uldur. Ele me olhou e, por um breve momento, pude ver um sorriso de felicidade no seu rosto. Ele ergueu sua arma e berrou. Depois, saiu correndo.
Às vezes, durante à noite, fico imaginando se ele não irá aparecer. Com uma faca na minha garganta por ter desgraçado sua vida e se tornado um poscrito ao me defender, ou como um velho amigo. Um dia descobrirei, da pior ou da melhor maneira possível.
Goliath Whalietric, O Ressurgido
Houve uma época, em que eu ainda era um aprendiz, quando fui designado para uma tarefa um tanto quanto esquisita: deveria observar o tempo que julgasse necessário uma família de orcs. Nunca esperava algo assim. Mas, Mestre Kyril, O Fogo Verde, jamais explicava nada a seus alunos. Simplesmente devia cumprir a missão, enquanto eu seria avaliado pelos enviados dele. Como, eu sequer imaginava.
Consegui detectar uma família de orcs nas Montanhas de Lydia. Fui até lá, e lancei um feitiço de invisibilidade em mim mesmo. Subi em uma frondosa árvore que ficava em frente da toca dos orcs e esperei.
Pouco vi senão aquilo que eu já sabia sobre os orcs. Seus hábitos detestáveis e sua atitudes estúpidas. Nada mais além daquele comportamento hediondo. Na terceira noite de minha vigília fui surpreendido. Uma fêmea orc aproximava-se da toca orc, se arrastando e gemendo. Percebi o volume em sua barriga e vi que ela carregava vida em seu ventre. O orc macho saiu da sua toca como se tivesse farejado um cheiro que repudiava com todas as forças: grunhindo e brandindo sua espada, em busca do intruso que invadia suas terras. Então ele percebeu a fêmea. Ele não pensou duas vezes. Ergueu a fêmea e a levou para dentro com um gesto rápido. Não ousei me aproximar mais, mas fiquei espantado com tal atitude. Esperei até o amanhecer.
Logo ao amanhecer, ouvi os orcs de dentro da casa berrando como animais. A fêmea deve ter morrido pensei. De repente, de dentro da toca, o corpo ensanguentado da fêmea sai voando e se espatifa no chão. Nas mãos do orc, uma bebê orc. O orc que parecia ser o chefe pulava com o pequeno no colo, como outros orcs a sua volta. Talvez seus filhos. Eram 9 no total. Eles gritavam Barak Uldur, a plenos pulmões.
Decidi chamá-lo, para efeito de registro, com a expressão que os orcs gritavam: Barak Uldur. Me surpreendeu o fato de um orc estar celebrando a vida e tratando seu filho com uma espécie de carinho, ainda que fosse um tanto brutal. Confesso que de certo modo, senti afeto pela pobre criança. Algo como o afeto que temos pelo filhote de um cão que encontramos vagando pelas ruas.
Um mês depois, fui surpreendido. Enquanto fazia a minha observação já durante a noite, a criança foi, de repente, jogada pela entrada da toca, batendo com força na árvore onde eu estava. Em seguida, seus irmãos saíram da toca e o atingiram. Diversas vezes. Socos e chutes. Finalmente, o famigerado pai saiu de dentro da toca, retirando um a um os orcs que espacavam Barak. Me surpreendi, pois não esperava que ele tentasse manter a ordem. Não um orc. Ele se aproximou da criança. Fiquei alguns instantes ali parado, olhando para baixo, para aquele montículo de ser vivo, enroscado nas raízes nodosas daquela grande árvore. Ele então sorriu e golpeou com um chute poderoso a criança. A criança berrou e com um último suspiro, pareceu desmaiar. O orc pai pareceu dizer alguma coisa com as mãos erguidas para o céu. Com o meu parco conhecimento da língua orc, percebi que ele falava algo sobre "real valor" e "prova de resistência". Ele se virou e voltou para dentro da toca.
Fiquei furioso. Para a criança provar seu valor ela deveria sobreviver a fúria dos seus próprios familiares. Por um momento, me enchi de nojo das criaturas que acompanhava, já fazia algum tempo. Seres desprezíveis e hediondos. Então, olhei para baixo e vi a pobre criança orc caída. Vendo seus ferimentos, desci. Foi então que cometi o erro que Barak Uldur talvez jamais me perdoe.
Vendo seu estado lamentável, apliquei-lhe um feitiço de cura profunda. Acabei por eixar o feitiço de invisibilidade cair, revelando a minha identidade. Consegui restituir boa parte de sua vitalidade, o suficiente para recuperar-se sozinho. Foi então que percebi que a criança me olhava fixamente espantado com a minha atitude, ou com medo, por ser tão diferente dele mesmo. Me levantei, e fui me afastando com cautela. Não imaginava qual seria sua reação. Então, ele balbuciou: Anouk. Dei as costas para ele e disparei em direção a guilda. Nunca mais fui observá-lo.
Mais tarde, descobri que Anouk signifca o nome do ser que os leva para morte. Não sei como a criança sabia disso. Ontem acabei emboscado por uma dezena de orcs. Estávamos eu e um elfo negro andando pelo mundo quando fomos encurralados. Fomos atacados ferozmente. Fui derrubado por um golpe que me atingiu pelas costas. Caí, e ao me virar, um orc grande erguia sua lâmina no ar. Ele gritou e antes de finalizar o golpe parou. Olhou para o meu rosto e falou: Anouk. Ficamos paralisados nos olhando, por poucos segundos. Ele então se voltou contra os próprios irmãos, matando pelo menos 3 deles. Aliados, eu, o elfo negro e o orc não éramos páreo para os outros orcs. Dois orcs, ainda fugiram. O elfo negro não acreditava e não entendia o que tinha acontecido. Ofegante, o olhei e falei: Barak Uldur. Ele me olhou e, por um breve momento, pude ver um sorriso de felicidade no seu rosto. Ele ergueu sua arma e berrou. Depois, saiu correndo.
Às vezes, durante à noite, fico imaginando se ele não irá aparecer. Com uma faca na minha garganta por ter desgraçado sua vida e se tornado um poscrito ao me defender, ou como um velho amigo. Um dia descobrirei, da pior ou da melhor maneira possível.
Goliath Whalietric, O Ressurgido
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