quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Do RPG ao assassinato

Sei que ainda vou presenciar esta cena:
Menino entra em casa correndo para o quarto com um livro na mão.
Infelizmente, ele não fora rápido suficiente. Sua mãe provavelmente percebera que ele carregava nada mais, nada menos que um famigerado LIVRO DE RPG.
- AAAAAAAAHHHHHHH! LARGA essa porcaria! LARGA AGORA! O QUE OS VIZINHOS VÃO PENSAR?! FOI PRA ISSO QUE EU TE DEI EDUCAÇÃO?! - Berra a mãe totalmente ensadecida e desvairada.

O menino corre para abrir o cadeado do báu embaixo da cama. As mãos suadas e trêmulas não ajudam muito.
- Não esse... Não esse... - Balbucia o garoto em frenesi. - Eu nem li ainda... Esse tem as metas que o meu Nosferatu precisa... Ela não pode... Não pode...

De repente, a mãe chuta a porta e a arromba. O garoto está deitado ao lado da cama. Claramente, ele tenta um teste de Dissumulação. Com um olhar de lince ela vai direto para os bolsos do garoto:
- Onde estão? Onde estão? Me dá! Eu quero agora e quero todos!
- Eu não tenho mais nenhum, já disse! Tu levou tudo! Tu não me deixou nem um d4! Me levou todos d6 e d10! Ah, Não enche!
- Olha aqui... - A mãe fala com o o seu rosto próximo do rosto do garoto. A distância mínima é regulamentada pelo dedo em riste dela entre as duas faces - Se tu não me der eu não deixo tu ir mais naquele antro de doentes... Nem mais um passo dentro da livraria.

O garoto esperava aquele momento. Ela estava jogando pesado. Mas não era páreo para ele, pensava a mente maquiávelica do garoto. Ele tinha uma cartada digna de um Antediluviano. Uma mágica que iludiria a pobre mortal. A vantagem "Difícil de Matar". A sua Vorpal. Ele decidiu dar a sua cartada. Ele baixou os olhos e disse.
- Eu vou te mostrar o que eu tava carregando... - ele fez um movimento lento até o seu travesseiro. Ele não tirava os olhos da mãe. Um movimento em falso e tudo poderia estar perdido. Na sua cabeça, ele jogava 10 d10, que representavam sua desteza + a sua furtividade. Ele enfiou a mão embaixo do travesseiro e tirou um saco transparente cheio de um pó branco:
- Tá aqui! Tá aqui! - berrava ele (jogando contra o seu nível de Atuação). Um choro compulsivo brotava de dentro dele. Era um sucesso decisivo, tinha certeza. - É com isto que eu to metido agora! DROGA!
A mãe pára e quase dá uma cambalhota para trás, tamanha parecia ser a sua surpresa. O garoto achava que aquilo, no mínmo, valia um teste contra DX-4 que é o padrão, já que ela não tem Acrobacia. Mas achou melhor deixar pra lá.

A reação de sua mãe agora decidiria tudo. Talvez o susto tivesse sido muito para o seu coração frágil. Ele sentia os olhos sádicos do seu Game Master olhando para a sua face assustada. Uma falha crítica. Só podia ser. Ele já imaginava as manchetes:
"MÃE DE RPGISTA MORTA:

Garoto acusado de tê-la sufocado com 1 d100 e um saco Família de M&M's. O delegado não descarta a possibilidade de uso de um Mangual. O delegado disse aos jornalistas que "é uma perícia difícil e eu acho que os níveis de DX e ST do garoto não eram tão altos assim. Agora, tenho que confessar que o seu IQ pode até mesmo ter gerado novas habilidades com a permissão do GM". Estudiosos da conduta de assasssinos RPGistas descartaram a possibilidade do uso de Demolição Subaquática e Gancho Celeste".

Ele não escaparia. Ele seria pêgo. E então, eles se levantariam. Milhares de RPGistas, de todos lugares do mundo. Eles estariam lá com os seus Shields em punho e gritariam "MAIS XP! MAIS XP!". Enfim, todos estariam unidos.
Aproveitando o tempo livre que teria na cadeia, ele criaria o seu próprio sistema. Finalmente! O sistema perfeito. Simples, mas ao mesmo tempo profundo e complexo. A interpretação em primeiro lugar. Tudo seria recompensado com pontos de experência. E tudo isso com apenas 2 atributos e 1 d6. Seria a consagração.

O devaneio então se acaba, com o grito estridente da mãe logo a frente. Era um grito de alegria.
- VIVA! Finalmente tu fez algo direito menino! Virou viciado em cocaína. E eu pensando que tu tava envolvido com aquela coisa do Satanás... Aquele tal de RPG...
A mãe sai saltitando pelo quarto, feliz da vida.
- Ah, o meu filhão. Viciado. Que nem a Mel na novela! Filhão, agora tu vai ficar famoso! Vou contar pras minha amigas que tu te indireitou!

O garoto olha perplexo para o saco cheio de giz branco que tinha esmagado no colégio. Estava atônito. Depois de uns 5 minutos, ele olhou para cima e gritou:
- SEU GRANDISSÍMO FILHO DE UMA PUTA! Deixa EU fazer o teste da próxima vez! Aí quero ver... - e ficou bradando por pelo menos meia hora.

Ao que se sabe, o GM não abriu nenhum vórtex ou usou de uma Grande Pedra para resolver a discussão. Então, o jogo continua...